Francisco Cândido Xavier |
Pelo Espírito Neio Lúcio |
Parte 03 |
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21 - O rico vigilante |
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22 - O
talismã divino |
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25 - A visita da Verdade |
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26 - O valor do serviço |
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27 - O
dom esquecido |
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28 - A
resposta celeste |
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30 - A
regra de ajudar |
Tiago, o
mais velho, em explanação preciosa, falou sobre as ânsias de riqueza, tão comuns em
todos os mortais, e, findo o interessante debate doméstico, Jesus comentou sorridente:
Um homem temente a Deus e consagrado a retidão, leu muitos conselhos alusivos à
prudência, e deliberou trabalhar, com afinco, de modo a reter um tesouro com que pudesse
beneficiar a família. Depois de sentidas orações, meteu-se em várias empresas, aflito
por alcançar seus fins. E, por vinte anos consecutivos, ajuntou moeda sobre moeda,
formando o patrimônio de alguns milhões.
Quando
parou de agir, a fim de apreciar a sua obra, reconheceu, com desapontamento, que todos os
quadros da própria vida se haviam alterado, sem que ele mesmo percebesse.
O lar,
dantes simples e alegre, adquirira feição sombria. A esposa fizera-se escrava de mil
obrigações destinadas a matar o tempo; os filhos cochichavam entre si, consultando sobre
a herança que a morte do pai lhes reservaria; a amizade fiel desertara; os vizinhos,
acreditando-o completamente feliz, cercaram-no de inveja e ironia; as autoridades da
localidade em que vivia obrigavam-no a dobradas atitudes de artifício, em desacordo com a
sinceridade do seu coração. Os negociantes visitavam-no, a cada instante, propondo-lhe
transações criminosas ou descabidas; servidores bajulavam-no, com declarado fingimento
quando ao lado de seus ouvidos, para lhe amaldiçoarem o nome, por trás de portas
semicerradas. Em razão de tantos distúrbios, era compelido a transformar a residência
numa fortaleza, vigiando-se contra tudo e contra todos.
Sobrava-lhe
tempo, agora, para registrar as moléstias do corpo e raramente passava algum dia sem as
irritações do estômago ou sem dores de cabeça.
Em
poucas semanas de meticulosa observação, concluiu que a fortuna trancafiada no cofre era
motivo de desilusões e arrependimentos sem termo.
Em certa
noite, porque não mais tolerasse as preocupações obcecantes do novo estado, orou em
lágrimas, suplicando a inspiração do Senhor. Depois da comovente rogativa, eis que um
anjo lhe aparece na tela evanescente do sonho e lhe diz, compadecido:
Toda fortuna que corre, à maneira das águas cristalinas da fonte, é uma bênção viva,
mas toda riqueza, em repouso inútil, é poço venenoso de águas estagnadas... Por que
exigiste um rio, quando o simples copo dágua te sacia a sede? Como te animaste a
guardar, ao redor de ti, celeiros tão recheados, quando alguns grãos de trigo te bastam
à refeição? Que motivos te induziram a amontoar centenas de peles, em torno do lar,
quando alguns fragmentos de lã te aquecem o corpo, em trânsito para o sepulcro?... Volta
e converte a tua arca de moedas em cofre milagroso de salvação! Estende os júbilos do
trabalho, cria escolas para a sementeira da luz espiritual e improvisa a alegria a muitos!
Somente vale o dinheiro da Terra pelo bem que possa fazer!
Sob
indizível espanto, o caçador de outro despertou transformado e, do dia seguinte em
diante, passou a libertar as suas enormes reservas, para que todos os seus vizinhos
tivessem junto dele, as bênçãos do serviço e do bom ânimo...
Desde o
primeiro sinal de semelhante renovação, a esposa fixou-o com estranheza e revolta, os
filhos odiaram-no e os seus próprios beneficiados o julgaram louco; todavia, robustecido
e feliz, o milionário vigilante voltou a possuir no domicílio um santuário aberto e os
gênios da alegria oculta passaram a viver em seu coração.
Silenciando
o Mestre, Tiago, que comandava a palestra da noite, exclamou, entusiasta:
Senhor, que ensinamento valioso e sublime!...
Jesus
sorriu e respondeu:
Sim, mas apenas para aqueles que tiverem ouvidos de ouvir e olhos de
ver.
Entabularam
os familiares interessante palestra, acerca das faculdades sublimes de que o Mestre dava
testemunho amplo, curando loucos e cegos, quando Isabel, a zelosa genitora de João e
Tiago, indagou, sem preâmbulos:
Senhor, terás contigo algum talismã de cuja virtude possamos desfrutar? Algum objeto
mágico que nos possa favorecer?
Jesus
pousou na matrona os olhos penetrantes e falou, risonho:
Realmente, conheço um talismã de maravilhoso poder. Usando-lhe os milagrosos recursos,
é possível iniciar a aquisição de todos os dons de Nosso Pai. Oferece a descoberta dos
tesouros do amor que resplandecem ao redor de nós, sem que lhes vejamos, de pronto, a
grandeza.
Descortina
o entendimento, onde a desarmonia castiga os corações. Abre a porta às revelações da
arte e da ciência. Estende possibilidades de luminosa comunhão com as fontes divinas da
vida. Convida à bênção da meditação nas coisas sagradas. Reata relações de
companheiros
Que mais? disse o Senhor, imprimindo ênfase à pergunta.
E após
sorrir, complacente, continuou:
Sem esse divino talismã, é impossível começar qualquer obra de luz e paz na Terra.
Os olhos
dos ouvintes permutavam expressões de assombro, quando a esposa de Zebedeu inquiriu,
espantada:
Mestre, onde poderemos adquirir semelhante bênção? Dize-nos. Precisamos desse
acumulador de felicidade.
O
Cristo, então, acrescentou, bem-humorado:
Esse bendito talismã, Isabel, é propriedade comum a todos. É a hora que estamos
atravessando... Cada minuto de nossa alma permanece revestido de prodigioso poder
oculto, quando sabemos usá-lo no Infinito Bem, porque toda grandeza e toda decadência,
toda vitória e toda ruína são iniciadas com a colaboração do dia.
E diante
da perplexidade de todos, rematou:
O
tempo é o divino talismã que devemos aproveitar.
23 - Os mensageiros distraídos
Os
ouvintes do culto da Boa Nova discorriam sobre as polêmicas que se travavam
incessantemente em torno da fé, nos círculos do farisaísmo de várias escolas, quando o
Cristo, dentro da profunda simplicidade que lhe era característica, narrou, tolerante:
Um grande senhor recebeu alarmantes notícias de vasto agrupamento de servos, em zona
distante da sede do seu governo, que se viam fustigados por febre maligna, e, desejoso de
socorrer os tutelados que sofriam na região remota de seus domínios, enviou-lhes
mensageiros de confiança, conduzindo remédios adequados à situação e providências
alusivas ao reajustamento geral.
Os
emissários saíram do palácio com grandes promessas de trabalho, segurança e
eficiência na missão; todavia, assim que se viram fora das portas do senhor, começaram
a rixar pela escolha dos caminhos.
Uns
reclamavam o atalho, outros a planície sem espinheiros e outros, ainda, pediam a passagem
através dos montes.
Longos
dias perderam na disputa, até que o grupo se desuniu, cada falange atendendo aos
próprios caprichos, com absoluto esquecimento do objetivo fundamental.
As
dificuldades, porém, não foram solucionadas com decisão. Criados os roteiros
diferentes, como que se dilataram os conflitos. Reduzidas agora, numericamente, as
expedições sofreram, com mais rigor, os golpes esterilizantes das opiniões pessoais. Os
viajantes não cuidavam senão de inventar novos motivos para o atrito inútil. Entre os
que marchavam pelo trilho mais curto, pela vargem e pela serra lavraram discussões
improdutivas, contundentes e intermináveis. Dias e noites preciosos eram desprendidos em
comentários ruidosos quanto à febre, quanto à condição dos enfermos ou quanto às
paisagens
Surgiram
as contendas, a propósito de mínimas questões, com pleno desperdício da oportunidade,
e, em razão disso, tanto se atrasaram os viajores do atalho, quanto os da planície e do
monte, de vez que se encontraram no vale da peste a um só tempo, com enorme e
irremediável desapontamento para todos, porquanto, à míngua do prometido recurso, não
sobrara nenhum doente vivo na carne.
A morte
devorara-os, um a um, enquanto os mensageiros discutidores matavam o tempo, através da
viagem.
O Mestre
fixou nos aprendizes o olhar muito lúcido e aduziu:
Neste símbolo, temos o mundo atacado pela peste da maldade e da descrença e vemos o
retrato dos portadores da medicação celeste, que são os religiosos de todos os matizes,
que falam na Terra, em nome do Pai. Os homens iluminados pela sabedoria da fé,
entretanto, apesar de haverem recebido valiosos recursos do Céu para os que sofrem e
choram, em conseqüência da ignorância e da aflição dominantes no mundo, olvidam as
obrigações que lhes assinalam a vida e, sobrepondo os próprios caprichos aos
propósitos do Supremo Senhor, se desmandam em desvarios verbais de toda espécie.
Enquanto alimentam o distúrbio, levianos e distraídos, os necessitados de luz e socorro
desfalecem à falta de assistência e dedicação.
E
afagando uma das crianças presentes, qual se concentrasse todas as esperanças no sublime
futuro, finalizou, sorridente e calmo:
A
discussão, por mais proveitosa, nunca deve distrair-nos do serviço que o Senhor nos deu
a fazer.
Ante a
assembléia familiar, o Mestre tomou a palavra e falou, persuasivo:
E
quando o Reino Divino estiver às portas dos homens, a alma do mundo estará renovada.
O mais
poderoso não será o mais desapiedado e, sim, o que mais ame.
O
vencedor não será aquele que guerrear o inimigo exterior até à morte em rios de
sangue, mas o que combater a iniquidade e a ignorância, dentro de si mesmo, até à
extinção do mal, nos círculos da própria natureza.
O mais
eloqüente não será o dono do mais belo discurso, mas, sim, o que aliar as palavras
santificantes aos próprios atos, elevando o padrão da vida, no lugar onde estiver.
O mais
nobre não será o detentor do maior número de títulos que lhe conferem a transitória
dominação em propriedades efêmeras da Terra, mas aquele que acumular, mais
intensamente, os créditos do amor e da gratidão nos corações das mães e das
crianças, dos velhos e dos enfermos, dos homens leais e honestos, operosos e dignos,
humildes e generosos.
O mais
respeitável não será o dispensador de ouro e poder armado e, sim, o de melhor
coração.
O mais
santo não será o que se isola em altares do supremo orgulho espiritual, evitando o
contacto dos que padecem, por temer a degradação e a imundície, mas sim, aquele que
descer da própria grandeza, estendendo mãos fraternas aos miseráveis e sofredores,
elevando-lhes a alma dilacerada aos planos da alegria e do entendimento.
O mais
puro não será o que foge ao intercâmbio com os maus e criminosos confessos, mas aquele
que se mergulha no lodo para salvar os irmãos decaídos, sem contaminar-se.
O mais
sábio não será o possuidor de mais livros e teorias, mas justamente aquele que, embora
saiba pouco, procura acender uma luz nas sombras que ainda envolvem o irmão mais
próximo...
O Amigo
Divino pousou os olhos lúcidos na noite clara que resplandecia, lá fora, em pleno
coração da Natureza, fez longo intervalo e acentuou:
Nessa época sublime, os homens não se ausentarão do lar em combate aos próprios
irmãos, por exigências de conquista ou pelo ódio de raça, em tempestades de lágrimas
e sangue, porquanto estarão guerreando as trevas da ignorância, as chagas da
enfermidade, as angústias da fome e as torturas morais de todos os matizes... Quando o
arado substituir o carro suntuoso dos triunfadores, nas exibições públicas de grandeza
coletiva; quando o livro edificante absorver o lugar da espada no espírito do povo;
quando a bondade e a sabedoria presidirem às competições das criaturas para que os bons
sejam venerados; quando o sacrifício pessoal em proveito de todos constituir a honra
legítima da individualidade, a fim de que a paz e o amor não se percam, dentro da vida
então uma Nova Humanidade estará no berço luminoso do Divino Reino...
Nesse
ponto, a palavra doce e soberana fez branda pausa e, lá fora, na tepidez da noite suave,
as estrelas fulgentes, a cintilarem no alto, pareciam saudar essa era distante...
Certa
feita, disse o Mestre que só a Verdade fará livre o homem; e, talvez porque lhe não
pudesse apreender, de imediato, a vastíssima extensão da afirmativa, perguntou-lhe
Pedro, no culto doméstico:
Senhor, que é a Verdade?
Jesus
fixou no rosto enigmática expressão e respondeu:
A
Verdade total é a Luz Divina total; entretanto, o homem ainda está longe de suportar-lhe
a sublime fulguração.
Reparando,
porém, que o pescador continuava faminto de esclarecimentos novos, o Amigo Celeste
meditou alguns minutos e falou:
Numa caverna escura, onde a claridade nunca surgira, demorava-se certo devoto, implorando
o socorro divino. Declarava-se o mais infeliz dos homens, não obstante, em sua cegueira,
sentir-se o melhor de todos. Reclamava contra o ambiente fétido em que se achava. O ar
empestado sufocava-o dizia ele em gritos comoventes. Pedia uma porta libertadora
que o conduzisse ao convívio do dia claro. Afirmava-se robusto, apto, aproveitável. Por
que motivo era conservado ali, naquele insulamento doloroso? Chorava e bradava, não
ocultando aflições e exigências. Que razões o obrigavam a viver naquela atmosfera
insuportável?
Notando
Nosso Pai que aquele filho formulava súplicas incessantes, entre a revolta e a amargura,
profundamente compadecido enviou-lhe a Fé.
A
sublime virtude exortou-o a confiar no futuro e a persistir na oração.
O
infeliz consolou-se, de algum modo, mas, a breve tempo, voltou a lamuriar.
Queria
fugir ao monturo e, como se lhe aumentassem as lágrimas, o Todo-Poderoso mandou-lhe a
Esperança.
A
emissária afagou-lhe a fronte suarenta e falou-lhe da eternidade da vida, buscando
secar-lhe o pranto desesperado. Para isso, rogou-lhe calma, resignação, fortaleza.
O pobre
pareceu melhorar, mas, decorridas algumas horas, retomou a lamentação.
Não
podia respirar clamava, em desalento.
Condoído,
determinou o Senhor que a Caridade o procurasse.
A nova
mensageira acariciou-o e alimentou-o, endereçando-lhe palavras de carinho, qual se lhe
fora abnegada mãe.
Todavia,
porque o mísero prosseguisse gritando, revoltado, o Pai Compassivo enviou-lhe a Verdade.
Quando a
portadora de esclarecimento se fez sentir na forma de uma grande luz, o infortunado,
então, viu-se tal qual era e apavorou-se. Seu corpo era um conjunto monstruoso de chagas
pustulentas da cabeça aos pés e, agora, percebia, espantado, que ele mesmo era o autor
da atmosfera intolerável em que vivia. O pobre tremeu cambaleante, e, notando que a
Verdade serena lhe abria a porta da libertação, horrorizou-se de si mesmo; sem coragem
de cogitar da própria cura, longe de encarar a visitadora, frente a frente, para aprender
a limpar-se e a purificar-se, fugiu, espavorido, em busca de outra furna onde conseguisse
esconder a própria miséria que só então reconhecia.
O Mestre
fez longa pausa e terminou:
Assim ocorre com a maioria dos homens, perante a realidade. Sentem-se com direito à
recepção de todas as bênçãos do Eterno e gritam fortemente, implorando a ajuda
celestial.
Enquanto
amparados pela Fé, pela Esperança ou pela Caridade, consolam-se e desconsolam-se, crêem
e descrêem, tímidos, irritadiços e hesitantes; todavia, quando a Verdade brilha diante
deles, revelando-lhes a condição em que se encontram, costumam fugir, apressados, em
busca de esconderijos tenebrosos, dentro dos quais possam cultivar a ilusão.
Filipe,
velho pescador de Cafarnaum, enlevado com as explanações de Jesus sobre um texto de
Isaías, passou a comentar a diferença entre os justos e injustos, de maneira a destacar
o valor da santidade na Terra.
O Mestre
ouviu calmamente, e, talvez para prevenir os excessos de opinião, narrou, com bondade:
Certo fariseu, de vida irrepreensível, atingiu posição de imenso respeito público.
Passava dias inteiros no Templo, entre orações e jejuns incessantes. Conhecia a Lei como
ninguém. Desde Moisés aos últimos Profetas, decorara os mais importantes textos da
Revelação. Se passava nas ruas, era tão grande a estima de que se fizera credor, que as
próprias crianças se curvavam, reverentes. Consagrara-se ao Santo dos Santos e fazia
vida perfeita entre os pecadores da época. Alimentava-se frugalmente, vestia túnica sem
mancha e abstinha-se de falar com toda pessoa considerada impura.
Acontece,
todavia, que, havendo grande peste em cidade próxima de Jerusalém, um Anjo do Senhor
desceu, prestimoso, a socorrer necessitados e doentes, em nome da Divina Providência.
Necessitava,
porém, das mãos diligentes de um homem, através das quais pudesse trabalhar, apressado,
em benefício de enfermos e sofredores.
Lembrou-se
de recorrer ao santo fariseu, conhecido na Corte Celeste por seus reiterados votos de
perfeição espiritual, mas o devoto se achava tão profundamente mergulhado em suas
contemplações de pureza que não lhe sobrava o mínimo espaço interior para entender
qualquer pensamento de socorro às vítimas da epidemia.
Como
cooperar com o emissário divino, nesse setor, se evitava o menor contacto com o mundo
vulgar, classificado, em sua mente, como vale da imundície?
O Anjo
insistia no chamamento; contudo, a peste era exigente e não admitia delongas.
O
mensageiro afastou-se e recorreu a outras pessoas amantes da Lei. Nenhuma, entretanto, se
julgava habilitada a contribuir.
Ninguém
desejava arriscar-se.
Instado
pelas reclamações do serviço, o Enviado de Cima encontrou antigo criminoso que mantinha
o propósito de regenerar-se. Através dos fios invisíveis do pensamento, convidou-o a
segui-lo; e o velho ladrão, sinceramente transformado, não hesitou. Obedeceu ao doce
constrangimento e votou-se sem demora, com a espontaneidade da cooperação robusta e
legítima, ao ministério do socorro e da salvação.
Enterrou
cadáveres insepultos, improvisou remédios adequados à situação, semeou o bom ânimo,
aliviou os aflitos, renovou a coragem dos enfermos, libertou inúmeras criancinhas
ameaçadas pelo mal, criou serviços de consolação e esperança e, com isso, conquistou
sólidas amizades no Céu, adiantando-se de surpreendente maneira, no caminho do Paraíso.
Os
presentes registraram a pequena história, entre a admiração e o desapontamento e,
porque ninguém interferisse, o Senhor comentou, em seguida a longo intervalo:
A
virtude é sempre grande e venerável, mas não há de cristalizar-se à maneira de jóia
rara sem proveito. Se o amor cobre a multidão dos pecados, o serviço santificante que
nele se inspira pode dar aos pecadores convertidos ao bem a companhia dos anjos, antes que
os justos ociosos possam desfrutar o celeste convívio.
E
reparando que os ouvintes se retraíram no grande silêncio, o Senhor encerrou o culto
doméstico da Boa Nova, a fim de que o repouso trouxesse aos companheiros multiplicadas
bênçãos de paz e meditação, sob o firmamento pontilhado de luz.
Centralizara-se
geral atenção em torno de curiosa palestra referente aos dons com que o Céu aquinhoa as
almas, na Terra, quando o Senhor comentou, paciente:
Existiu um homem banhado pela graça do merecimento, que recebeu do Alto a permissão de
abeirar-se do Anjo Dispensador dos dons divinos que florescem no mundo.
Ante o
Ministro Celeste, o mortal venturoso pediu a bênção da Mocidade.
Recebeu
a concessão, mas, e breve, reconheceu que a juventude poderia ser força e beleza, mas
também era inexperiência e fragilidade espiritual, e, já desinteressado, voltou ao
Doador Sublime e solicitou-lhe a Riqueza.
Conseguiu
a abastança e gozou-a, longo tempo; todavia, reparou que a retenção de grandes
patrimônios provoca a inveja maligna de muitos. Cansando-se na defesa laboriosa dos
próprios bens, procurou o Anjo e rogou-lhe a Liberdade.
Viu-se
realmente livre. No entanto, foi defrontado por cruéis demônios invisíveis, que lhe
perturbaram a caminhada, enchendo-lhe a cabeça de inquietude e tentações.
Extenuado,
em face do permanente conflito interior em que vivia, retornou ao Celeste Dispensador e
suplicou o Poder.
Entrou
na posse da nova dádiva e revestiu-se de grande autoridade. Entendeu, porém, mais cedo
que esperava, que o mando gera ódio e revolta nos corações preguiçosos e
incompreensíveis e, atormentado pelos estiletes ocultos da indisciplina e da discórdia,
dirigiu-se ao benfeitor e implorou-lhe a Inteligência.
Todavia,
na condição de cientista e homem de letras, perdeu o resto de paz que desfrutava.
Compreendeu, depressa, que não lhe era possível semear a realidade, de acordo com os
seus desejos. Para não ser vítima da reação destruidora dos próprios beneficiados,
era compelido a colocar um grão de verdade entre mil flores de fantasia passageira e,
longe de acomodar-se à situação, tornou à presença do Anjo e pediu-lhe o Matrimônio
Feliz.
Satisfeito
em seu novo desígnio, reconfortou-se em milagroso ninho doméstico, estabelecendo
graciosa família, mas, um dia, apareceu a morte e roubou-lhe a companheira.
Angustiado
pela viuvez, procurou o Ministro do Eterno e afirmando que se equivocara, mais uma vez,
suplicou-lhe a graça da Saúde.
Recebeu
a concessão. Entretanto, logo que se escoaram alguns anos, surgiu a velhice e
desfigurou-lhe o corpo, desgastando-o e enrugando-o sem compaixão.
Atormentado
e incapaz agora de ausentar-se de casa, o Anjo amigo veio ao encontro dele e,
abraçando-o, paternal, indagou que novo dom pretendia do Alto.
O
infeliz declarou-se em falência.
Que mais
poderia pleitear?
Foi
então que o glorioso mensageiro lhe explicou que ele, o candidato à felicidade, se
esquecera do maior de todos os dons que pode sustentar um homem no mundo, o dom da Coragem
que produz entusiasmo e bom ânimo para o serviço indispensável de cada dia...
Jesus
interrompeu-se por alguns minutos; depois, sorrindo ante a pequena assembléia, rematou:
Formosa é a Mocidade, agradável é a Fortuna, admirável é a Liberdade, brilhante é o
Poder, respeitável é a Inteligência, santo é o Casamento Venturoso, bendita é a
Saúde da carne, mas se o homem não possui Coragem para sobrepor-se aos bens e males da
vida humana, afim de aprender a consolidar-se no caminho para Deus, de pouca utilidade
são os dons temporários na experiência transitória.
E
tomando ao colo um dos meninos presentes, indicou-lhe o firmamento estrelado, como a dizer
que somente no Alto a felicidade perene das criaturas encontraria a verdadeira pátria.
Solicitando
Bartolomeu esclarecimentos quanto às respostas do Alto às súplicas dos homens,
respondeu Jesus para elucidação geral:
Antigo instrutor dos Mandamentos Divinos ia em missão da Verdade Celeste, de uma aldeia
para outra, profundamente distanciadas entre si, fazendo-se acompanhar de um cão amigo,
quando anoiteceu, sem que lhe fosse possível prever o número de milhas que o separavam
do destino.
Reparando
que a solidão
Noite
fechada e sem luar, percebeu a existência de larga e confortadora cova, à margem da
trilha em que avançava, e acariciando o animal que o seguia, vigilante, dispôs-se a
deitar-se e dormir. Começou a instalar-se, pacientemente, mas espessa nuvem de moscas
vorazes o atacou, de chofre, obrigando-o a retomar o caminho.
O
ancião continuou a jornada, quando se lhe deparou volumoso riacho, num trecho em que a
estrada se bifurcava. Ponte rústica oferecia passagem pela via principal, e, além dela,
a terra parecia sedutora, porque, mesmo envolvida na sombra noturna, semelhava-se a
extenso lençol branco.
O santo
pregador pretendia ganhar a outra margem, arrastando o companheiro obediente, quando a
ponte se desligou das bases, estalando e abatendo-se por inteiro.
Sem
recursos, agora, para a travessia, o velhinho seguiu pelo outro rumo, e, encontrando
robusta árvore, ramalhosa e acolhedora, pensou em abrigar-se, convenientemente, porque o
firmamento anunciava a tempestade pelos trovões longínquos. O vegetal respeitável
oferecia asilo fascinante e seguro no próprio tronco aberto. Dispunha-se ao refúgio, mas
a ventania começou a soprar tão forte que o tronco vigoroso caiu, partido, sem
remissão.
Exposto
então à chuva, o peregrino movimentou-se para diante.
Depois
de aproximadamente duas milhas, encontrou um casebre rural, mostrando doce luz por dentro,
e suspirou aliviado.
Bateu à
porta. O homem ríspido que veio atender foi claro na negativa, alegando que o sítio não
recebia visitas à noite e que não lhe era permitido acolher pessoas estranhas.
Por mais
que chorasse e rogasse, o pregador foi constrangido a seguir além.
Acomodou-se,
como pode, debaixo do temporal, nas cercanias da casinhola campestre; no entanto, a breve
espaço, notou que o cão, aterrado pelos relâmpagos sucessivos, fugia a uivar,
perdendo-se nas trevas.
O velho,
agora sozinho, chorou angustiado, acreditando-se esquecido por Deus e passou a noite ao
relento. Alta madrugada, ouviu gritos e palavrões indistintos, sem poder precisar de onde
partiam.
Intrigado,
esperou o alvorecer e, quando o Sol ressurgiu resplandecente, ausentou-se do esconderijo,
vindo a saber, por intermédio de camponeses aflitos, que uma quadrilha de ladrões
pilhara a choupana onde lhe fora negado o asilo, assassinando os moradores.
Repentina
luz espiritual aflorou-lhe na mente.
Compreendeu
que a Bondade Divina o livrara dos malfeitores e que, afastando dele o cão que uivava,
lhe garantira a tranqüilidade do pouso.
Informando-se
de que seguia em trilho oposto à localidade do destino, empreendeu a marcha de regresso,
para retificar a viagem, e, junto à ponte rompida, foi esclarecido por um lavrador de que
a terra branca, do outro lado, não passava de pântano traiçoeiro, em que muitos
viajores imprevidentes haviam sucumbido.
O velho
agradeceu o salvamento que o Pai lhe enviara e, quando alcançou a árvore tombada, um
rapazinho observou-lhe que o tronco, dantes acolhedor, era conhecido covil de lobos.
Muito
grato ao Senhor que tão milagrosamente o ajudara, procurou a cova onde tentara repouso e
nela encontrou um ninho de perigosas serpentes.
Endereçando
infinito reconhecimento ao Céu pelas expressões de variado socorro que não soubera
entender, de pronto, prosseguiu adiante, são e salvo, para desempenho de sua tarefa.
Nesse ponto da curiosa narrativa, o Mestre fitou Bartolomeu
demoradamente e terminou:
O
Pai ouve sempre as nossas rogativas, mas é preciso discernimento para compreender as
respostas dEle e aproveitá-las.
Depois
da parábola do bom samaritano, à noite, em casa de Simão, Tadeu, sinceramente
interessado no assunto, rogou ao Mestre fosse mais explícito no ensinamento, e Jesus, com
a espontaneidade habitual, falou:
Um homem enfermo jazia no chão, em esgares de sofrimento, às portas de grande cidade,
assistido por pequena massa popular menos esclarecida e indiferente.
Passou
por ali um moço romano de coração generoso, em seu carro apressado, e atirou-lhe duas
moedas de prata, que um rapazelho de maus costumes subtraiu às ocultas.
Logo
após, transitou pelo mesmo local um venerando escriba da Lei, que, alegando serviços
prementes, prometeu enviar autoridades em benefício do mendigo anônimo.
Quase de
imediato, desfilou por ali um sacerdote que lançou ao viajante desamparado um gesto de
bênção e, afirmando que o culto ao Supremo Senhor esperava por ele, exortou o povo a
asilar o doente e alimentá-lo.
Depois
dele, surgiu, de relance, respeitável senhora, a quem o pobre se dirigiu em comovedora
súplica; todavia, a nobre matrona, lastimando as dificuldades da sua condição de
mulher, invocou o cavalheirismo masculino, para aliviá-lo, como se fazia imprescindível.
Minutos
após, um grande juiz varou o mesmo trecho da via pública asseverando que nomearia
testemunhas a fim de saber se o mísero não seria algum viciado vulgar, afastando-se,
lépido, sob o pretexto de que a oportunidade lhe não era favorável.
Decorridos
mais alguns instantes, veio à cena um mercador de bolsa que, condoído, asseverou a sua
carência de tempo e deu vinte moedas a um homem que lhe pareceu simpático, a fim de que
o problema de assistência fosse resolvido, mas o preposto improvisado era um malfeitor
evadido do cárcere e fugiu com o dinheiro sem prestar o socorro prometido.
O doente
tremia e suava de dor, rojado ao pó, quando surgiu ali velho publicano, considerado de
má vida, por não adorar o Senhor, segundo as regras dos fariseus. Com espanto de todos,
aproximou-se do infeliz, endereçou-lhe palavras de encorajamento e carinho, deu-lhe o
braço levantou-o e, sustentando-o com as próprias energias, conduziu-o a uma estalagem
de confiança, fornecendo-lhe medicação adequada e dividindo com ele o reduzido dinheiro
que trazia consigo. Em seguida, retomou a sua jornada, seguindo tranqüilamente o seu
caminho.
Depois
de interromper-se, ligeiramente, o Mestre perguntou ao discípulo:
Em tua opinião, quem exerceu a caridade legítima?
Ah! sem dúvida exclamou Tadeu, bem-humorado , embora aparentemente
desprezível, foi o publicano, porquanto, além de dar o dinheiro e a palavra, deu também
o sentimento, o tempo, o braço e o estímulo fraterno, utilizando, para isso, as
próprias forças.
Jesus,
complacente, fitou no aprendiz os olhos penetrantes e rematou:
Então, faze tu o mesmo. A caridade, por substitutos, indiscutivelmente é honrosa e
louvável, mas o bem que praticamos em sentido direto, dando de nós mesmos, é sempre o
maior e o mais seguro de todos.
João,
no age da curiosidade juvenil, compreendendo que se achava à frente de novos métodos de
viver, tal a grandeza com que o Evangelho transparecia dos ensinamentos do Senhor,
perguntou a Jesus qual a maneira mais digna de se portar o aprendiz, diante do próximo,
no sentido de ajudar aos semelhantes, ao que o Amigo Divino respondeu, com voz clara e
firme:
João, se procuras uma regra de auxiliar os outros, beneficiando a ti mesmo, não te
esqueças de amar o companheiro de jornada terrestre, tanto quanto desejas ser querido e
amparado por ele.
A
pretexto de cultivar a verdade, não transformes a própria existência numa batalha em
que teus pés atravessem o mundo, qual furioso combatente no deserto; recorda que a
maioria dos enfermos conhece, de algum modo, a moléstia que lhes é própria, reclamando
amizade e entendimento, acima da medicação.
Lembra-te
de que não há corações na Terra, sem problemas difíceis a resolver; em razão disso,
aprende a cortesia fraternal para com todos.
Acolhe o
irmão do caminho, não somente com a saudação recomendada pelos imperativos da polidez,
mas também com o calor do teu sincero propósito de servir.
Fixa nos
olhos as pessoas que te dirigirem a palavra, testemunhando-lhes carinhoso interesse, e
guarda sempre a posição de ouvinte delicado e atencioso; não levantes demasiadamente a
voz, porque a segurança e a serenidade com que os mais graves assuntos devem ser tratados
não dependem de ruído.
Abstém-te
das conversações improfícuas; o comentário menos digno é sempre invasão delituosa em
questões pessoais.
Louva
quem trabalha e, ainda mesmo diante dos maus e dos ociosos, procura exaltar o bem que são
suscetíveis de produzir.
Foge ao
pessimismo, guardando embora a prudência indispensável perante as criaturas arrojadas em
negócios respeitáveis, mas passageiros, do mundo; a tristeza improdutiva, que apenas
sabe lastimar-se, nunca foi útil à Humanidade, necessitada de bom ânimo.
Usa,
cotidianamente, a chave luminosa do sorriso fraterno; com o gesto espontâneo de bondade,
podemos sustar muitos crimes e apagar muitos males.
Faze o
possível por ser pontual; não deixes o companheiro à tua espera, a fim de que te não
seja atribuída uma falsa importância.
Agradece
todos os benefícios da estrada, respeitando os grandes e os pequenos; se o Sol aquece a
vida, é a semente de trigo que fornece o pão.
Deixa
que as águas vivas e invisíveis do Amor, que procedem de Deus, Nosso Pai, atravessem o
teu coração, em favor do círculo de luta em que vives; o Amor é a força divina que
engrandece a vida e confere poder.
Façamos,
sobretudo, o melhor que pudermos, na felicidade e na elevação de todos os que nos
cercam, não somente aqui, mas em qualquer parte, não apenas hoje, mas sempre.
Silenciou
o Cristo e, assinalando a beleza do programa exposto, o jovem apóstolo inquiriu
respeitosamente:
Senhor, como conseguirei executar tão expressivos ensinamentos?
O Mestre
respondeu, resoluto:
A
boa-vontade é nosso recurso de cada hora.
E,
afagando os cabelos do discípulo inquieto, encerrou as preces da noite.