Francisco Cândido Xavier |
Pelo Espírito Neio Lúcio |
Parte 01 |
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7 - O
maior servidor |
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10 - O juiz
reformado |
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Povoara-se o firmamento de estrelas, dentro da noite prateada de
luar, quando o Senhor, instalado provisoriamente em casa de Pedro, tomou os Sagrados
Escritos e, como se quisesse imprimir novo rumo à conversação que se fizera improdutiva
e menos edificante, falou com bondade:
Simão, que faz o pescador quando se dirige para o mercado com os frutos de cada dia?
O
apóstolo pensou alguns momentos e respondeu, hesitante:
Mestre, naturalmente, escolhemos os peixes melhores. Ninguém compra os resíduos da
pesca.
Jesus
sorriu e perguntou, de novo:
E
o oleiro? que faz para atender à tarefa a que se propõe?
Certamente, Senhor redargüiu o pescador, intrigado , modela o barro,
imprimindo-lhe a forma que deseja.
O Amigo
Celeste, de olhar compassivo e fulgurante, insistiu:
E
como procede o carpinteiro para alcançar o trabalho que pretende?
O
interlocutor, muito simples, informou sem vacilar:
Lavrará a madeira, usará a enxó e o serrote, o martelo e o formão. De outro modo, não
aperfeiçoará a peça bruta.
Calou-se
Jesus, por alguns instantes, e aduziu:
Assim, também, é o lar diante do mundo. O berço doméstico é a primeira escola e o
primeiro templo da alma. A casa do homem é a legítima exportadora de caracteres para a
vida comum. Se o negociante seleciona a mercadoria, se o marceneiro não consegue fazer um
barco sem afeiçoar a madeira aos seus propósitos, como esperar uma comunidade segura e
tranqüila sem que o lar se aperfeiçoe? A paz do mundo começa sob as telhas a que nos
acolhemos. Se não aprendemos a viver em paz, entre quatro paredes, como aguardar a
harmonia das nações? Se
nos não habituamos a amar o irmão pais próximo, associado à nossa luta de cada dia,
como respeitar o Eterno Pai que nos parece distante?
Jesus
relanceou o olhar pela sala modesta, fez pequeno intervalo e continuou:
Pedro, acendamos aqui, em torno de quantos nos procuram a assistência fraterna, uma
claridade nova. A mesa de tua casa é o lar de teu pão. Nela, recebes do Senhor o
alimento para cada dia. Por que não instalar, ao redor dela, a sementeira da felicidade e
da paz na conversação e no pensamento? O Pai, que nos dá o trigo para o celeiro,
através do solo, envia-nos a luz através do Céu. Se a claridade é a expansão dos
raios que a constituem, a fartura começa no grão. Em razão disso, o Evangelho não foi
iniciado sobre a multidão, mas, sim, no singelo domicílio dos pastores e dos animais.
Simão
Pedro fitou no Mestre os olhos humildes e lúcidos e, como não encontrasse palavras
adequadas para explicar-se, murmurou, tímido:
Mestre, seja feito como desejas.
Então
Jesus, convidando os familiares do apóstolo à palestra edificante e à meditação
elevada, desenrolou os escritos da sabedoria e abriu, na Terra, o primeiro culto cristão
no lar.
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Congregados,
em torno do Cristo, os domésticos de Simão ouviram a voz suave e persuasiva do Mestre,
comentando os sagrados textos.
Quando a
palavra divina terminou a formosa preleção, a sogra de Pedro indagou, inquieta:
Senhor, afinal de contas, que vem a ser a nossa vida no lar?
Contemplou-a
Ele, significativamente, demonstrando a expectativa de mais amplos esclarecimentos, e a
matrona acrescentou:
Iniciamos a tarefa entre flores para encontrarmos depois pesada colheita de espinhos. No
começo é a promessa de paz e compreensão; entretanto, logo após, surgem pedras e
dissabores...
Reparando
que a senhora galiléia se sensibilizara até às lágrimas, deu-se pressa Jesus em
responder:
O
lar é a escola das almas, o templo onde a sabedoria divina nos habilita, pouco a pouco,
ao grande entendimento da Humanidade.
E,
sorrindo, perguntou:
Que fazes inicialmente às lentilha, antes de servi-las à refeição?
A
interpelada respondeu, titubeante:
Naturalmente, Senhor, cabe-me levá-las ao fogo para que se façam suficientemente
cozidas. Depois, devo temperá-las, tornando-as agradáveis ao sabor.
Pretenderias, também, porventura, servir pão cru à mesa?
De modo algum tornou a velha humilde ; antes de entregá-lo ao consumo
caseiro, compete-me guardá-lo ao calor do forno. Sem essa medida...
O Divino
Amigo então considerou:
Há também um banquete festivo, na vida celestial, onde nossos sentimentos devem servir
à glória do Pai. O lar, na maioria das vezes, é o cadinho santo ou o forno preparador.
O que nos parece aflição ou sofrimento dentro dele é recurso espiritual. O coração
acordado para a Vontade do Senhor retira as mais luminosas bênçãos de suas lutas
renovadoras, porque, somente aí, de encontro uns com os outros, examinando aspirações e
tendências que não são nossas, observando defeitos alheios e suportando-os, aprendemos
a desfazer as próprias imperfeições. Nunca
notou a rapidez da existência de um homem? A vida carnal é idêntica à flor da erva.
Pela manhã emite perfume, à noite, desaparece... O lar é um curso ligeiro para a
fraternidade que desfrutaremos na vida eterna. Sofrimentos e conflitos naturais, em seu
círculo, são lições.
A sogra
de Simão escutou, atenciosa, e ponderou:
Senhor, há criaturas, porém, que lutam e sofrem; no entanto, jamais aprendem.
O Cristo
pousou na interlocutora os olhos muito lúcidos e tornou a indagar:
Que fazes das lentilhas endurecidas que não cedem à ação do fogo?
Ah! sem dúvida, atiro-as ao monturo, porque feririam a boca do comensal descuidado e
confiante.
Ocorre o mesmo terminou o Mestre com a alma rebelde às sugestões
edificantes do lar. A luta comum mantém a fervura benéfica; todavia, quando chega a
morte, a grande selecionadora do alimento espiritual para os celeiros de Nosso Pai, os
corações que não cederam ao calor santificante, mantendo-se na mesma dureza, dentro da
qual foram conduzidos ao forno bendito da carne, serão lançados fora, a fim de
permanecerem, por tempo indeterminado, na condição de adubo, entre os detritos da
Natureza.
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Em plena
conversação edificante, Sara, a esposa de Benjamim, o criador de cabras, ouvindo
comentários do Mestre, nos doces entendimentos do lar de Cafarnaum, perguntou, de olhos
fascinados pelas revelações novas:
A idéia do Reino de Deus, em nossas vidas, é realmente sublime; todavia, como iniciar-me
nela? Temos ouvido as pregações à beira do lago e sabemos que a Boa Nova aconselha,
acima de tudo, o amor e o perdão... Eu desejaria ser fiel a semelhantes princípios, mas
sinto-me presa a velhas normas. Não consigo desculpar os que me ofendem, não entendo uma
vida em que troquemos nossas vantagens pelos interesses dos outros, sou apegada aos meus
bens e ciumenta de tudo o que aceito como sendo propriedade minha.
A dama
confessava-se com simplicidade, não obstante o sorriso desapontado de quem encontra
obstáculos quase invencíveis.
Para isso comentou Pedro , é indispensável a boa-vontade.
Com a fé
Em todos
os presentes transparecia ansiosa expectativa quanto ao pronunciamento do Senhor, que
falou, em seguida a longo silêncio:
Sara, qual é o serviço fundamental de tua casa?
É a criação de cabras redargüiu a interpelada, curiosa.
Como procedes para conservar o leite inalterado e puro no benefício doméstico?
Senhor, antes de qualquer providência, é imprescindível lavar, cautelosamente, o vaso
em que ele será depositado. Se qualquer detrito ficar na ânfora, em breve todo o leite
se toca de franco azedume e já não servirá para os serviços mais delicados.
Jesus sorriu e explanou:
Assim é a revelação celeste no coração humano. Se não purificamos o vaso da alma, o
conhecimento, não obstante superior, se confunde com as sujidades de nosso íntimo, como
que se degenerando, reduzindo a proporção dos bens que poderíamos recolher. Em verdade,
Moisés e os Profetas foram valorosos portadores de mensagens divinas, mas os descendentes
do Povo Escolhido não purificaram suficientemente o receptáculo vivo do espírito para
recebê-las. É por isto que os nossos contemporâneos são justos e injustos, crentes e
incrédulos, bons e maus ao mesmo tempo. O leite puro dos esclarecimentos elevados penetra
o coração como alimento novo, mas aí se mistura com a ferrugem do egoísmo velho. Do
serviço renovador da alma restará, então, o vinagre da incompreensão, adiando o
trabalho efetivo do Reino de Deus.
A
pequena assembléia, na sala de Pedro, recebia a lição sublime e singela, comovidamente,
sem qualquer interferência verbal.
O
Mestre, porém, levantando-se com discrição e humildade, afagou os cabelos da senhora
que o interpelara e concluiu, generoso:
O
orvalho num lírio alvo é diamante celeste, mas, na poeira da estrada, é gota lamacenta.
Não te esqueças desta verdade simples e clara da Natureza.
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Diante
da perplexidade dos ouvintes, falou Jesus, convincente:
Em verdade, é muito difícil vencer os aflitivos cuidados da vida humana. Para onde se
voltem nossos olhos, encontramos a guerra, a incompreensão, a injustiça e o sofrimento.
No Templo, que é o Lar do Senhor, comparecem o orgulho e a vaidade nos ricos, o ódio e a
revolta nos pobres. Nem sempre é possível trazer o coração puro e limpo, como seria de
desejar, porque há espinheiros, lamaçais e serpentes que nos rodeiam. Entretanto, a
idéia do Reino Divino é assim como a semente minúscula do trigo. Quase imperceptível
é lançada à terra, suportando-lhe o peso e os detritos, mas, se germina, a pressão e
as impurezas do solo não lhe paralisam a marcha. Atravessa o chão escuro e, embora dele
retire em grande parte o próprio alimento, o seu impulso de procurar a luz de cima é
dominante. Desde então, haja sol ou chuva, faça dia ou noite, trabalha sem cessar no
próprio crescimento e, nessa ânsia de subir, frutifica para o bem de todos. O aprendiz
que sentiu a felicidade do avivamento interior, qual ocorre à semente de trigo, observa
que longas raízes o prendem às inibições terrestres... Sabe que a maldade e a suspeita
lhe rondam os passos, que a dor é ameaça constante; todavia, experimenta, acima de tudo,
o impulso de ascensão e não mais consegue deter-se. Age constantemente na esfera de que
se fez peregrino, em favor do bem geral. Não encontra seduções irresistíveis nas
flores da jornada. O reencontro com a Divindade, de que se reconhece venturoso herdeiro,
constitui-lhe objetivo imutável e não mais descansa, na marcha, como se uma luz
consumidora e ardente lhe torturasse o coração. Sem perceber, produz frutos de
esperança, bondade, amor e salvação, porque jamais recua para contar os benefícios de
que se fez instrumento fiel. A visão do Pai é a preocupação obcecante que lhe vibra na
alma de filho saudoso.
O Mestre
silenciou por momentos e concluiu:
Em razão disso, ainda que o discípulo guarde os pés encarcerados no lodo da Terra, o
trabalho infatigável no bem, no lugar em que se encontra, é o traço indiscutível de
sua elevação. Conheceremos as árvores pelos frutos e identificaremos o operário do
Céu pelos serviços em que se exprime.
A essa
altura, Pedro interferiu, perguntando:
Senhor: que dizer, então, daqueles que conhecem os sagrados princípios da caridade e
não os praticam?
Esboçou
Jesus manifesta satisfação no olhar e elucidou:
Estes, Simão, representam sementes que dormem, apesar de projetadas no seio dadivoso da
terra. Guardarão consigo preciosos valores do Céu, mas jazem inúteis por muito tempo.
Estejamos, porém, convictos de que os aguaceiros e furacões
passarão por elas, renovando-lhes a posição no solo, e elas germinarão, vitoriosas, um
dia. Nos campos de Nosso Pai, há milhões de almas assim, aguardando as tempestades
renovadoras da experiência, para que se dirijam à glória do futuro. Auxiliemo-las com
amor e prossigamos, por nossa vez, mirando a
frente!
Em
seguida, ante o silêncio de todos, Jesus abençoou a pequena assembléia familiar e
partiu.
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À
frente do todos os presentes, o Mestre narrou com simplicidade:
Certo homem encontrou a luz da Revelação Divina e desejou ardentemente habilitar-se para
viver entre os Anjos do Céu.
Tanto
suplicou essa bênção ao Pai que, através da inspiração, o Senhor o enviou ao
aprimoramento necessário com vistas ao fim a que se propunha.
Por
intermédio de vários amigos, orientados pelo Poder Divino, o candidato, que demonstrava
acentuada tendência pela escultura, foi conduzido a colaborar com antigo mestre, em
mármore valioso. No entanto, a breve tempo, demitiu-se, alegando a impossibilidade de
submeter-se a um homem ríspido e intratável; transferiu-se, desse modo, para uma oficina
consagrada à confecção de utilidades de madeira, sob as diretrizes de velho escultor.
Abandonou-o também, sem delongas, asseverando que lhe não era possível suportá-lo. Em
seguida, empregou-se sob as determinações de conhecido operário especializado em
construção de colunas em estilo grego. Não tardou, entretanto, a deixá-lo, declarando
não lhe tolerar as exigências. Logo após, entregou-se ao trabalho, sob as ordens de
experimentado escultor de ornamentações em arcos festivos, mas, finda uma semana, fugiu
aos compromissos assumidos, afirmando haver encontrado um chefe por demais violento e
irritadiço. Depois, colocou-se sob a orientação de um fabricante de arcas preciosas, de
quem se afastou, em poucos dias, a pretexto de se tratar de criatura desalmada e cruel.
E,
assim, de tarefa em tarefa, de oficina em oficina, o aspirante ao Céu dizia,
invariavelmente, que lhe não era possível incorporar as próprias energias à
experiência terrestre, por encontrar, em toda parte, o erro, a maldade e a perseguição
nos que o dirigiam, até que a morte veio buscá-lo à presença dos Anjos do Senhor.
Com
surpresa, porém, não os encontrou tão sorridentes quanto aguardava. Um deles avançou,
triste, e indagou:
Amigo, por que não te preparaste ante os imperativos do Céu?
O
interpelado que identificava a própria inferioridade, nas sombras em que se envolvia,
clamou em pranto que só havia encontrado exigência e dureza nos condutores da luta
humana.
O
Mensageiro, no entanto, observou, com amargura:
O
Pai chamou-te a servir em teu próprio proveito e, não, a julgar. Cada homem dará conta
de si mesmo a Deus. Ninguém escapará à Justiça Divina que se pronuncia no momento
preciso. Como pudeste esquecer tão simples verdade, dentro da vida? O malho bate a
bigorna, o ferreiro conduz o malho, o comerciante examina a obra do ferreiro, o povo dá
opinião sobre o negociante, e o Senhor, no Conjunto, analisa e julga a todos. Se fugiste
a pequenos serviços do mundo, sob a alegação de que os outros eram incapazes e indignos
da direção, como poderás entender o ministério celestial?
E o
trabalhador inconstante passou às conseqüências de sua queda impensada.
Jesus
fez uma pausa e concluiu:
Quem estiver sob o domínio de pessoas enérgicas e endurecidas na disciplina, excelentes
resultados conseguirá recolher se souber e puder aproveitar-lhes a aspereza,
inspirando-se na madeira bruta ao contacto da plaina benfeitora. Abençoada seja a mão
que educa e corrige, mas bem-aventurado seja aquele que se deixa aperfeiçoar ao seu toque
de renovação e aprimoramento, porque os mestres do mundo sempre reclamam a lição de
outros mestres, mas a obra do bem, quando realizada para todos, permanece eternamente.
6 - Os instrumentos da perfeição
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Naquela
noite, Simão Pedro trazia à conversação o espírito ralado por extremo desgosto.
Agastara-se
com parentes descriteriosos e rudes.
Velho
tio acusara-o de dilapidador dos bens da família e um primo ameaçara esbofeteá-lo na
via pública.
Guardava,
por isso, o semblante carregado e austero.
Quando o
Mestre leu algumas frases dos Sagrados Escritos, o pescador desabafou. Descreveu o
conflito com a parentela e Jesus o ouviu em silêncio.
Ao
término do longo relatório afetivo, indagou o Senhor:
E
que fizeste, Simão, ante as arremetidas dos familiares incompreensivos?
Sem dúvida, reagi como devia! respondeu o apóstolo, veemente. Coloquei
cada um no lugar próprio. Anunciei, sem rebuços, as más qualidades de que são
portadores. Meu tio é raro exemplar de sovinice e meu primo é mentiroso contumaz.
Provei, perante numerosa assistência, que ambos são hipócritas, e não me arrependi do
que fiz.
O Mestre
refletiu por minutos longos e falou, compassivo:
Pedro, que faz um carpinteiro na construção de uma casa?
Naturalmente, trabalha redargüiu o interpelado, irritadiço.
Com quê? tornou o Amigo Celeste, bem-humorado.
Usando ferramentas.
Após a
resposta breve de Simão, o Cristo continuou:
As pessoas com as quais nascemos e vivemos na Terra são os primeiros e mais importantes
instrumentos que recebemos do Pai, para a edificação do Reino do Céu em nós mesmos.
Quando falhamos no aproveitamento deles, que constituem elementos
de nossa melhoria, é quase impossível triunfar com recursos alheios, porque o Pai nos
concede os problemas da vida, de acordo com a nossa capacidade de lhes dar solução. A
ave é obrigada a fazer o ninho, mas não se lhe reclama outro serviço. A ovelha dará
lã ao pastor; no entanto, ninguém lhe exige o agasalho pronto. Ao homem foram concedidas
outras tarefas, quais sejam as do amor e da humildade, na ação inteligente e constante
para o bem comum, a fim de que a paz e a felicidade não sejam mitos na Terra. Os parentes
próximos, na maioria das vezes, são o martelo ou o serrote que podemos utilizar a
benefício da construção do templo vivo e sublime, por intermédio do qual o Céu se
manifestará em nossa alma. Enquanto o marceneiro usa as suas ferramentas, por fora,
cabe-nos aproveitar as nossas, por dentro. Em todas as ocasiões, o ignorante representa
para nós um campo de benemerência espiritual; o mau é desafio que nos põe a bondade à
prova; o ingrato é um meio de exercitarmos o perdão; o doente é uma lição à nossa
capacidade de socorrer. Aquele que bem se conduz, em nome do Pai, junto de familiares
endurecidos ou indiferentes, prepara-se com rapidez para a glória do serviço à
Humanidade, porque, se a paciência aprimora a vida, o tempo tudo transforma.
Calou-se
Jesus e, talvez porque Pedro tivesse ainda os olhos indagadores, acrescentou serenamente:
Se não ajudamos ao necessitado de perto, como auxiliaremos os aflitos, de longe? Se não
amamos o irmão que respira conosco os mesmos ares, como nos consagraremos ao Pai que se
encontra no Céu?
Depois
destas perguntas, pairou na modesta sala de Cafarnaum expressivo silêncio que ninguém
ousou interromper.
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Presente
à reunião familiar, Filipe, em dado instante, perguntou ao Divino Mestre:
Senhor, qual é o maior servidor do Pai entre os homens na Terra?
Jesus
refletiu alguns minutos e contou:
Grande multidão se congregava em extenso campo, quando aí estacionou famoso guerreiro
carregado de espadas e medalhas, que passou a dar lições de tática militar, concitando
os circunstantes ao aprendizado da defesa. O povo começou a fazer exercícios laboriosos,
dando saltos e entregando-se a perigosas corridas, sem proveito real; todavia, continuou
como dantes, sem rumo e sem júbilo, perdendo muitos jovens nas atividades preparatórias
de guerra provável. Logo depois, apareceu na mesma região um grande político, com
pesada bagagem de códigos, e dividiu a massa em vários partidos, declarando-se os moços
contra os velhos, os lares pobres contra os ricos, os servos contra os mordomos, e, não
obstante a sementeira de benefícios materiais, introduzidos na zona pela competição dos
grupos entre si, o político seguiu adiante, deixando escuros espinheiros de ódio,
desengano e discórdia entre os seus colaboradores. Depois
dele, surgiu um filósofo, sobraçando volumosos alfarrábios e dividiu o povo em variadas
escolas de crença que, em breve, propagavam infrutíferas discussões nos círculos de
toda gente; a multidão duvidou de tudo, até mesmo da existência de si própria. A
filosofia, sem dúvida, apresentava singulares vantagens, destacando-se a do estímulo ao
pensamento, mas as perturbações de que se fazia acompanhar eram das mais lastimáveis,
legando o filósofo muitas indagações inúteis aos cérebros menos aptos ao esforço de
elevação. Em seguida, compareceu um sacerdote, munido de roupagens e símbolos, que
forneceu muitas regras de adoração ao Pai. O povo aprendeu a dobrar os joelhos, a
lavar-se e a suplicar a proteção divina, em horas certas. Entretanto, todos os problemas
fundamentais da comunidade permaneceram sem alteração.
No
extenso domínio, não havia diretrizes ao trabalho, nem ânimo consciente, nem valor, nem
alegria. A doença e a morte, a necessidade e a ignorância eram fantasmas de toda a
gente.
Certo
dia, porém, apareceu ali um homem simples. Não trazia armas, nem escrituras, nem
discussões e nem imagens, mas pelo sorriso espontâneo revelava um coração cheio de
boa-vontade, guiando as mãos operosas. Não pregava doutrinas espetacularmente; todavia,
nos gestos de bondade pura e constante, rendia culto sincero ao Todo-Poderoso. Começou a
evidenciar-se, lavrando uma nesga do campo e adornando-a de flores e frutos preciosos.
Conversava com os seus companheiros de luta, aproveitando as horas no ensinamento fraterno
e edificante e transmitia suas experiências a todos os que se propusessem ouvi-lo.
Aperfeiçoou a madeira, plantou árvores benfeitoras, construiu casas e instalou uma
escola modesta. Em breve, ao redor dele, viçavam a saúde e a paz, a fraternidade e as
bênçãos do serviço, a prosperidade e o contentamento de viver. Com o espírito de
trabalho e educação que ele difundia, a defesa era boa, a política ajudava, a filosofia
era preciosa e o sacerdócio era útil, porque todas as ações, no campo, permaneciam
agora presididas pelo santo imperativo da execução do dever pessoal no bem de todos.
Calou-se
o Cristo, mas a assistência reduzida não ousou qualquer indagação.
Após
contemplar o horizonte longínquo, em longos instantes de pensamento mudo, o Mestre
terminou:
Em verdade, há muitos trabalhadores no mundo que merecem a bênção do Céu pelo bem que
proporcionam ao corpo e à mente das criaturas, mas aquele que educa o espírito eterno,
ensinando e servindo, paira acima de todos.
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Comentavam
os apóstolos, entre si, qual a conduta mais aconselhável diante do Todo-Poderoso, quando
o Mestre narrou com brandura:
Certo rei, senhor de imensos domínios, desejando engrandecer o espírito dos filhos para
conferir-lhes herança condigna, conduziu-os a extenso vale verdoengo e rico de seu enorme
império e confiou a cada um determinada fazenda, que deviam preservar e enriquecer pelo
trabalho incessante. O Pai desejava deles a coroa da compreensão, do amor e da sabedoria,
somente conquistável através da educação e do serviço; e, como devia utilizar
material transitório, deu-lhes tempo marcado para as construções que lhes seriam
indispensáveis, mais tarde, aos serviços de elevação. Assim procedia, porque o vale
era sujeito a modificações e chegaria um momento em que arrasadora tempestade visitaria
a região guardando-se em segurança apenas aqueles que houvessem erguido forte reduto.
Assim que o soberano se retirou, os filhos jovens, seguidos pelas numerosas tribos que os
acompanhavam, descansaram, longamente, deslumbrados com a beleza das planícies banhadas
de sol. Quando se levantaram para a tarefa, entraram em compridas conversações, com
respeito às leis de solidariedade, justiça e defesa, cada qual a exigir especiais
deferências dos outros. Quase ninguém cuidava da aplicação dos regulamentos
estabelecidos pelo governo central. Os príncipes e seus afeiçoados, em maioria, por
questões de conforto pessoal, esmeravam-se em procurar recursos sutis com que pudessem
sonegar, sem escândalos visíveis entre si, os princípios a que haviam jurado
obediência e respeito. E tentando enganar o Magnânimo Pai, por meio da bajulação, ao
invés de honrá-lo com o trabalho sadio, internaram-se em complicadas contendas, em torno
de problemas íntimos do soberano.
Gastaram
anos a fio, discutindo-lhe a apresentação pessoal. Insistiam alguns que ele revelava no
rosto a brancura do lírio, enquanto outros perseveravam em proclamar-lhe a cor bronzeada,
idêntica à de muitos cativos de Sídon. Muitos afirmavam que ele possuía um corpo de
gigante e não poucos exigiam fosse ele um anjo coroado de estrela.
Ao passo
que as rixas verbais se multiplicavam, o tempo ia-se esgotando e os insetos destruidores,
infinitamente reproduzidos, invadiram as terras, aniquilando grande parte dos recursos
preciosos. Detritos desceram de serras próximas e fizeram compacto acervo de monturo
naquelas regiões, enquanto os príncipes levianos, inteiramente distraídos das
obrigações fundamentais que lhes cabiam, se engalfinhavam, a todo instante, a propósito
de ninharias.
Houve,
porém, um filho bem-avisado que anotou os decretos paternais e cumpriu-os. Jamais
esqueceu os conselhos do rei e, quanto lhe era possível, os estendia aos companheiros
mais próximos. Utilizou grande número de horas que as leis vigentes lhe concediam ao
repouso e construiu sólido abrigo que lhe garantiria a tranqüilidade no futuro, semeando
beleza e alegria em toda a fazenda que o genitor lhe cedera por empréstimo.
E assim,
quando a tormenta surgiu, renovadora e violenta, o príncipe sensato que amara o monarca e
servira-o, desvelado e carinhoso, estendendo-lhe as lições libertadoras, pela
fraternidade pura, e cumprindo-lhe a vontade justa e bondosa, pelo trabalho de cada dia,
com as aflições construtivas da alma e com o suor do rosto, foi naturalmente amparado
num santuário de paz e segurança que os seus irmãos discutidores não encontraram.
Doce
silêncio pairou na sala singela...
Decorridos
alguns minutos, o Mestre fixou os olhos lúcidos na pequena assembléia e concluiu:
Quem muito analisa, sem espírito de serviço, pode viciar-se facilmente nos abusos da
palavra, mas ninguém se arrependerá de haver ensinado o bem e trabalhado com as
próprias forças em nome do Pai Celestial, no bendito caminho da vida.
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Falava-se
na reunião, com respeito à preponderância dos sábios na Terra, quando Jesus tomou a
palavra e contou, sereno e simples:
Há muitos anos, quando o mundo perigava em calamitosa crise de ignorância e
perversidade, o Poderoso pai enviou-lhe um mensageiro da ciência, com a missão de
entregar-lhe gloriosa mensagem de vida eterna. Tomando forma, nos círculos da carne, o
esclarecido obreiro fez-se professor e, sumamente interessado em letras, apaixonou-se
exclusivamente pelas obras da inteligência, afastando-se, enojado, da multidão
inconsciente e declarando que vivia numa vanguarda luminosa, inacessível à compreensão
das pessoas comuns. Observando-o incapaz de atender aos compromissos assumidos, o Senhor
Compassivo providenciou a viagem de outro portador da ciência que, decorrido algum tempo,
se transformou em médico admirado. O novo arauto da Providência refugiou-se numa sala de
ervas e beberagens, interessando-se tão somente pelo contacto com enfermos importantes,
habilitados à concessão de grandes recompensas, afirmando que a plebe era demasiado
mesquinha para cativar-lhe a atenção. O Todo-Bondoso determinou, então, a vinda de
outro emissário da ciência, que se converteu em guerreiro célebre. Usou a espada do
cálculo com mestria, pôs-se à ilharga de homens astuciosos e vingativos e, afastando-se
dos humildes e dos pobres, afirmava que a única finalidade do povo era a de salientar a
glória dos dominadores sanguinolentos. Contristado com tanto insucesso, o Senhor Supremo
expediu outro missionário da ciência, que, em breve, se fez primoroso artista. Isolou-se
nos salões ricos e fartos, compondo música que embriagasse de prazer o coração dos
homens provisoriamente felizes e afiançou que o populacho não lhe seduzia a
sensibilidade que ele mesmo acreditava excessivamente avançada para o seu tempo.
Foi,
então, que o Excelso Pai, preocupado com tantas negações, ordenou a vinda de um
mensageiro de amor aos homens.
Esse
outro enviado enxergou todos os quadros da Terra, com imensa piedade. Compadeceu-se do
professor, do médico, do guerreiro e do artista, tanto quanto se comoveu ante a
desventura e a selvageria da multidão e, decidido a trabalhar em nome de Deus,
transformou-se no servo diligente de todos. Passou a agir em benefício geral e,
identificado com o povo a que viera servir, sabia desculpar infinitamente e repetir mil
vezes o mesmo esforço ou a mesma lição. Se era humilhado ou perseguido, buscava
compreender na ofensa um desafio benéfico à sua capacidade de desdobrar-se na ação
regeneradora, para testemunhar reconhecimento à confiança do Pai que o enviara. Por amar
sem reservas os seus irmãos de luta, em muitas situações foi compelido a orar e pedir o
socorro do Céu, perante as garras da calúnia e do sarcasmo; entretanto, entendia, nas
mais baixas manifestações da natureza humana, dobrados motivos para consagrar-se, com
mais calor, à melhoria dos companheiros animalizados, que ainda desconheciam a grandeza e
a sublimidade do Pai Benevolente que lhes dera o ser.
Foi
assim, fazendo-se o último de todos, que conseguiu acender a luz da fé renovadora e da
bondade pura no coração das criaturas terrestres, elevando-as a mais alto nível, com
plena vitória na divina missão de que fora investido.
Houve
ligeira pausa na palavra doce do Messias e, ante a quietude que se fizera espontânea no
ruidoso ambiente de minutos antes, concluiu ele, com expressivo acento na voz:
Cultura e santificação representam forças inseparáveis da glória espiritual. A
sabedoria e o amor são as duas asas dos anjos que alcançaram o Trono Divino, mas, em
toda parte, quem ama segue à frente daquele que simplesmente sabe.
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Como
houvesse o Senhor recomendado nas instruções do dia muita cautela no julgar, a
conversação em casa de Pedro se desdobrava em derredor do mesmo tema.
É difícil não criticar comentava Mateus, com lealdade , porque, a todo
instante, o homem de mediana educação é compelido a emitir pareceres na atividade
comum.
Sim concordava André, muito franco , não é fácil agir com acerto, sem
analisar detidamente.
Depois
de vários depoimentos, em torno do direito de observar e corrigir, interferiu Jesus sem
afetação:
Inegavelmente, homem algum poderá cumprir o mandato que lhe cabe, no plano divino da
vida, sem vigiar no caminho em que se movimenta, sob os princípios da retidão. Todavia,
é necessário não inclinar o espírito aos desvarios do sentimento, para não sermos
vitimados por nós mesmos. Seremos julgados pela medida que aplicarmos aos outros. O rigor
responde ao rigor, a paciência à paciência, a bondade à bondade...
E,
transcorridos alguns instantes, contou:
Quando Israel vivia sob o governo dos grandes juízes, existiu um magistrado austero e
violento, em destacada cidade do povo escolhido, que imprimiu o terror e a crueldade em
todos os serventuários sob a sua orientação. Abusando dos poderes que a lei lhe
conferia, criou ordenações tirânicas para a punição das mínimas faltas. Multiplicou
infinitamente o número dos soldados, edificou muitos cárceres e inventou variados
instrumentos de flagelação.
O povo,
asfixiado por estranhas proibições, devia movimentar-se debaixo de severa
fiscalização, qual se fora rebanho de bravios animais. Trabalharia, descansaria e
adoraria o Senhor, em horas rigorosamente determinadas pela autoridade, sob pena de sofrer
humilhantes castigos, nas prisões, com pesadas multas de toda espécie.
Se bem
mandava o juiz, melhor agiam os subordinados, cheios de natural malvadez.
Assim
foi que, certa feita, dirigindo-se o magistrado, alta noite, à casa de um filho enfermo,
foi aprisionado, sem qualquer consideração, por um grupo de guardas bêbedos e
inconscientes que o conduziram a escura enxovia que ele mesmo havia inaugurado, semanas
antes. Não lhe valeram a apresentação do nome e as honrosas insígnias de que se
revestia. Tomado por temível ladrão, foi manietado, despojado dos bens que trazia e
espancado sem piedade, afirmando os sentinelas que assim procediam, obedecendo às
instruções do grande juiz, que era ele próprio.
Somente
no dia imediato foi desfeito o equívoco, quando o infeliz homem público já havia
sofrido a aplicação das penas que a sua autoridade estabelecera para os outros.
O
legislador atribulado reconheceu, então, que era perigoso transmitir o poder a
subalternos brutalizados e ignorantes, percebendo que a justiça construtiva e
santificante é aquela que retifica ajudando e educando, na preparação do Reinado do
Amor entre os homens.
Desde a
singular ocorrência, a cidade adquiriu outro modo de ser, porque o juiz reformado, embora
prosseguisse atento às funções que lhe competiam, ergueu, sobre o tribunal, a
benefício de todos, o coração de pai compreensivo e amoroso.
Lá
fora, brilhavam estrelas, retratadas nas águas serenas do grande lago. Depois de longa
pausa, o Mestre concluiu:
Somente aquele que aprendeu intensamente com a vida, estudando e servindo, suando e
chorando para sustentar o bem, entre os espinhos da renúncia e as flores do amor, estará
habilitado a exercer a justiça, em nome do pai.