CAPÍTULO XVII
SEDE PERFEITOS
Caracteres da perfeição. - O homem de bem. - Os bons
espíritas. - Parábola do semeador. - Instruções
dos Espíritos: O dever. - A virtude. - Os superiores
e os inferiores. - O homem no mundo. - Cuidai do corpo e do espírito.
1. Amai os
vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam.
- Porque, se somente amardes os que vos amam que recompensa tereis disso? Não fazem assim
também os publicanos? - Se unicamente saudardes os vossos irmãos, que fazeis com isso
mais do que outros? Não fazem o mesmo os pagãos? - Sede, pois, vós outros,
perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celestial. (S. MATEUS, cap. V, vv. 44,
2. Pois que
Deus possui a perfeição infinita em todas as coisas, esta proposição: "Sede
perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celestial", tomada ao pé da letra,
pressuporia a possibilidade de atingir-se a perfeição absoluta. Se à criatura fosse
dado ser tão perfeita quanto o Criador, tornar-se-ia ela igual a este, o que é
inadmissível. Mas, os homens a quem Jesus falava não compreenderiam essa nuança, pelo
que ele se limitou a lhes apresentar um modelo e a dizer-lhes que se esforçassem pelo
alcançar.
Aquelas
palavras, portanto, devem entender-se no sentido da perfeição relativa, a de que a
Humanidade é suscetível e que mais a aproxima da Divindade. Em que consiste essa
perfeição? Jesus o diz: "Em amarmos os nossos inimigos, em fazermos o bem aos que
nos odeiam, em orarmos pelos que nos perseguem." Mostra ele desse modo que a
essência da perfeição é a caridade na sua mais ampla acepção, porque implica a
prática de todas as outras virtudes.
Com efeito,
se se observam os resultados de todos os vícios e, mesmo, dos simples defeitos,
reconhecer-se-á nenhum haver que não altere mais ou menos o sentimento da caridade,
porque todos têm seu princípio no egoísmo e no orgulho, que lhes são a negação; e
isso porque tudo o que sobre-excita o sentimento da personalidade destrói, ou, pelo
menos, enfraquece os elementos da verdadeira caridade, que são: a benevolência, a
indulgência, a abnegação e o devotamento. Não podendo o amor do próximo, levado até
ao amor dos inimigos, aliar-se a nenhum defeito contrário à caridade, aquele amor é
sempre, portanto, indício de maior ou menor superioridade moral, donde decorre que o grau
da perfeição está na razão direta da sua extensão. Foi por isso que Jesus, depois de
haver dado a seus discípulos as regras da caridade, no que tem de mais sublime, lhes
disse: "Sede perfeitos, como perfeito é vosso Pai Celestial."
3. O
verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua
maior pureza. Se ele interroga a consciência sobre seus próprios atos, a si mesmo
perguntará se violou essa lei, se não praticou o mal, se fez todo o bem que podia, se
desprezou voluntariamente alguma ocasião de ser útil, se ninguém tem qualquer queixa
dele; enfim, se fez a outrem tudo o que desejara lhe fizessem.
Deposita fé
em Deus, na Sua bondade, na Sua justiça e na Sua sabedoria. Sabe que sem a Sua permissão
nada acontece e se Lhe submete à vontade em todas as coisas.
Tem fé no
futuro, razão por que coloca os bens espirituais acima dos bens temporais.
Sabe que
todas as vicissitudes da vida, todas as dores, todas as decepções são provas ou
expiações e as aceita sem murmurar.
Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem
pelo bem, sem esperar paga alguma; retribui o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra
o forte, e sacrifica sempre seus interesses à justiça.
Encontra
satisfação nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, no fazer ditosos os
outros, nas lágrimas que enxuga, nas consolações que prodigaliza aos aflitos. Seu
primeiro impulso é para pensar nos outros, antes de pensar em si, é para cuidar dos
interesses dos outros antes do seu próprio interesse. O egoísta, ao contrário, calcula
os proventos e as perdas decorrentes de toda ação generosa.
O homem de
bem é bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças, nem de
crenças, porque em todos os homens vê irmãos seus.
Respeita nos
outros todas as convicções sinceras e não lança anátema aos que como ele não pensam.
Em todas as
circunstâncias, toma por guia a caridade, tendo como certo que aquele que prejudica a
outrem com palavras malévolas, que fere com o seu orgulho e o seu desprezo a
suscetibilidade de alguém, que não recua à idéia de causar um sofrimento, uma
contrariedade, ainda que ligeira, quando a pode evitar, falta ao dever de amar o próximo
e não merece a clemência do Senhor.
Não alimenta
ódio, nem rancor, nem desejo de vingança; a exemplo de Jesus, perdoa e esquece as
ofensas e só dos benefícios se lembra, por saber que perdoado lhe será conforme houver
perdoado.
É indulgente
para as fraquezas alheias, porque sabe que também necessita de indulgência e tem
presente esta sentença do Cristo: "Atire-lhe a primeira pedra aquele que se achar
sem pecado."
Nunca se
compraz em rebuscar os defeitos alheios, nem, ainda,
Estuda suas
próprias imperfeições e trabalha incessantemente
Não procura
dar valor ao seu espírito, nem aos seus talentos, a expensas de outrem; aproveita, ao
revés, todas as ocasiões para fazer ressaltar o que seja proveitoso aos outros.
Não se
envaidece da sua riqueza, nem de suas vantagens pessoais, por saber que tudo o que lhe foi
dado pode ser-lhe tirado.
Usa, mas não
abusa dos bens que lhe são concedidos, porque sabe que é um depósito de que terá de
prestar contas e que o mais prejudicial emprego que lhe pode dar é o de aplicá-lo à
satisfação de suas paixões.
Se a ordem
social colocou sob o seu mando outros homens, trata-os com bondade e benevolência, porque
são seus iguais perante Deus; usa da sua autoridade para lhes levantar o moral e não
para os esmagar com o seu orgulho. Evita tudo quanto lhes possa tornar mais penosa a
posição subalterna em que se encontram.
O
subordinado, de sua parte, compreende os deveres da posição que ocupa e se empenha em
cumpri-los conscienciosamente. (Cap. XVII, nº 9.)
Finalmente, o
homem de bem respeita todos os direitos que aos seus semelhantes dão as leis da Natureza,
como quer que sejam respeitados os seus.
Não ficam
assim enumeradas todas as qualidades que distinguem o homem de bem; mas, aquele que se
esforce por possuir as que acabamos de mencionar, no caminho se acha que a todas as demais
conduz.
4. Bem
compreendido, mas sobretudo bem sentido, o Espiritismo leva aos resultados acima expostos,
que caracterizam o verdadeiro espírita, como o cristão verdadeiro, pois que um o mesmo
é que outro. O Espiritismo não institui nenhuma nova moral; apenas facilita aos homens a
inteligência e a prática da do Cristo, facultando fé inabalável e esclarecida aos que
duvidam ou vacilam.
Muitos,
entretanto, dos que acreditam nos fatos das manifestações não lhes apreendem as
conseqüências, nem o alcance moral, ou, se os apreendem, não os aplicam a si mesmos. A
que atribuir isso? A alguma falta de clareza da Doutrina? Não, pois que ela não contém
alegorias nem figuras que possam dar lugar a falsas interpretações. A clareza e da sua
essência mesma e é donde lhe vem toda a força, porque a faz ir direito à
inteligência. Nada tem de misteriosa e seus iniciados não se acham de posse de qualquer
segredo, oculto ao vulgo.
Será então
necessária, para compreendê-la, uma inteligência fora do comum? Não, tanto que há
homens de notória capacidade que não a compreendem, ao passo que inteligências
vulgares, moços mesmo, apenas saídos da adolescência, lhes apreendem, com admirável
precisão, os mais delicados matizes. Provém isso de que a parte por assim dizer material
da ciência somente requer olhos que observem, enquanto a parte essencial exige um certo
grau de sensibilidade, a que se pode chamar maturidade do senso moral, maturidade que
independe da idade e do grau de instrução, porque é peculiar ao desenvolvimento, em
sentido especial, do Espírito encamado.
Nalguns,
ainda muito tenazes são os laços da matéria para permitirem que o Espírito se
desprenda das coisas da Terra; a névoa que os envolve tira-lhes a visão do infinito,
donde resulta não romperem facilmente com os seus pendores nem com seus hábitos, não
percebendo haja qualquer coisa melhor do que aquilo de que são dotados. Têm a crença
nos Espíritos como um simples fato, mas que nada ou bem pouco lhes modifica as
tendências instintivas. Numa palavra: não divisam mais do que um raio de luz,
insuficiente a guiá-los e a lhes facultar uma vigorosa aspiração, capaz de lhes
sobrepujar as inclinações. Atêm-se mais aos fenômenos do que a moral, que se lhes
afigura cediça e monótona. Pedem aos Espíritos que incessantemente os iniciem em novos
mistérios, sem procurar saber se já se tornaram dignos de penetrar Os arcanos do
Criador. Esses são os espíritas imperfeitos, alguns dos quais ficam a meio caminho ou se
afastam de seus irmãos em crença, porque recuam ante a obrigação de se reformarem, ou
então guardam as suas simpatias para os que lhes compartilham das fraquezas ou das
prevenções. Contudo, a aceitação do princípio da doutrina é um primeiro passo que
lhes tornará mais fácil o segundo, noutra existência.
Aquele que
pode ser, com razão, qualificado de espírita verdadeiro e sincero, se acha em grau
superior de adiantamento moral. O Espírito, que nele domina de modo mais completo a
matéria, dá-lhe uma percepção mais clara do futuro; os princípios da Doutrina lhe
fazem vibrar fibras que nos outros se conservam inertes. Em suma: é tocado no coração,
pelo que inabalável se lhe torna a fé. Um é qual músico que alguns acordes bastam para
comover, ao passo que outro apenas ouve sons. Reconhece-se o verdadeiro espírita pela
sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações
más. Enquanto um se contenta com o seu horizonte limitado, outro, que apreende alguma
coisa de melhor, se esforça por desligar-se dele e sempre o consegue, se tem firme a
vontade.
5. Naquele
mesmo dia, tendo saído de casa, Jesus sentou-se à borda do mar; - em torno dele logo
reuniu-se grande multidão de gente; pelo que entrou numa barca, onde sentou-se,
permanecendo na margem todo o povo. - Disse então muitas coisas por parábolas,
falando-lhes assim:
Aquele que
semeia saiu a semear; - e, semeando, uma parte da semente caiu ao longo do caminho e os
pássaros do céu vieram e a comeram. - Outra parte caiu em lugares pedregosos onde não
havia muita terra; as sementes logo brotaram, porque carecia de profundidade a terra onde
haviam caído. - Mas, levantando-se, o sol as queimou e, como não tinham raízes,
secaram. - Outra parte
caiu entre espinheiros e estes, crescendo, as abafaram. Outra,
finalmente, caiu em terra boa e produziu frutos, dando algumas sementes cem por um, outras
sessenta e outras trinta. - Ouça quem tem ouvidos de ouvir. (S. MATEUS, cap. XIII, vv.
Escutai,
pois, vós outros a parábola do semeador. - Quem quer que escuta a palavra do reino e
não lhe dá atenção, vem o espírito maligno e tira o que lhe fora semeado no
coração. Esse é o que recebeu a semente ao longo do caminho. - Aquele que recebe a
semente em meio das pedras é o que escuta a palavra e que a recebe com alegria no
primeiro momento. - Mas, não tendo nele raízes, dura apenas algum tempo. Em sobrevindo
reveses e perseguições por causa da palavra, tira ele daí motivo de escândalo e de
queda. - Aquele que recebe a semente entre espinheiros é o que ouve a palavra; mas, em
quem, logo, os cuidados deste século e a ilusão das riquezas abafam aquela palavra e a
tornam infrutífera. - Aquele, porém, que recebe a semente em boa terra é o que escuta a
palavra, que lhe presta atenção e em quem ela produz frutos, dando cem ou sessenta, ou
trinta por um. (S. MATEUS, cap. XIII. vv.
O dever
7. O dever é
a obrigação moral da criatura para consigo mesma, primeiro, e, em seguida, para com os
outros. O dever é a lei da vida. Com ele deparamos nas mais ínfimas particularidades,
como nos atos mais elevados. Quero aqui falar apenas do dever moral e não do dever que as
profissões impõem.
Na ordem dos
sentimentos, o dever é muito difícil de cumprir-se, por se achar em antagonismo com as
atrações do interesse e do coração. Não têm testemunhas as suas vitórias e não
estão sujeitas à repressão suas derrotas. O dever íntimo do homem fica entregue ao seu
livre-arbítrio. O aguilhão da consciência, guardião da probidade interior, o adverte e
sustenta; mas, muitas vezes, mostra-se impotente diante dos sofismas da paixão. Fielmente
observado, o dever do coração eleva o homem; como determiná-lo, porém, com exatidão?
Onde começa ele? onde termina? O dever principia, para cada um de vós, exatamente no
ponto em que ameaçais a felicidade ou a tranqüilidade do vosso próximo; acaba no limite
que não desejais
Deus
criou todos os homens iguais para a dor. Pequenos ou grandes, ignorantes ou instruídos,
sofrem todos pelas mesmas causas, a fim de que cada um julgue em sã consciência o mal
que pode fazer. Com relação ao bem, infinitamente vário nas suas expressões, não é o
mesmo o critério. A igualdade em face da dor é uma sublime providência de Deus, que
quer que todos os seus filhos, instruídos pela experiência comum, não pratiquem o mal,
alegando ignorância de seus efeitos.
O dever é o
resumo prático de todas as especulações morais; é uma bravura da alma que enfrenta as
angústias da luta; é austero e brando; pronto a dobrar-se às mais diversas
complicações, conserva-se inflexível diante das suas tentações. O homem que cumpre
o seu dever ama a Deus mais do que as criaturas e ama as criaturas maisdo que a si mesmo.
E a um tempo juiz e escravo em causa própria.
O dever é o
mais belo laurel da razão; descende desta como de sua mãe o filho. O homem tem de amar o
dever, não porque preserve de males a vida, males aos quais a Humanidade não pode
subtrair-se, mas porque confere à alma o vigor necessário ao seu desenvolvimento.
O dever
cresce e irradia sob mais elevada forma, em cada um dos estágios superiores da
Humanidade. Jamais cessa a obrigação moral da criatura para com Deus. Tem esta de
refletir as virtudes do Eterno, que não aceita esboços imperfeitos, porque quer que a
beleza da sua obra resplandeça a seus próprios olhos. - Lázaro. (Paris, 1863.)
À virtude
assim compreendida e praticada é que vos convido, meus filhos; a essa virtude
verdadeiramente cristã e verdadeiramente espírita é que vos concito a consagrar-vos.
Afastai, porém, de vossos corações tudo o que seja orgulho, vaidade, amor-próprio, que
sempre desadornam as mais belas qualidades. Não imiteis o homem que se apresenta como
modelo e trombeteia, ele próprio, suas qualidades a todos os ouvidos complacentes. A
virtude que assim se ostenta esconde muitas vezes uma imensidade de pequenas torpezas e de
odiosas covardias.
Em
princípio, o homem que se exalça, que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula,
por esse simples fato, todo mérito real que possa ter. Entretanto, que direi daquele cujo
único valor consiste em parecer o que não é? Admito de boamente que o homem que pratica
o bem experimenta uma satisfação íntima em seu coração; mas, desde que tal
satisfação se exteriorize, para colher elogios, degenera em amor-próprio.
O vós todos
a quem a fé espírita aqueceu com seus raios, e que sabeis quão longe da perfeição
está o homem, jamais esbarreis em semelhante escolho. A virtude é uma graça que desejo
a todos os espíritas sinceros. Contudo, dir-lhes-ei: Mais vale pouca virtude com
modéstia, do que muita com orgulho. Pelo orgulho é que as humanidades sucessivamente se
hão perdido; pela humildade é que um dia elas se hão de redimir. François-Nicolas-Madeleine.
(Paris, 1863.)
Quem quer que
seja depositário de autoridade, seja qual for a sua extensão, desde a do senhor sobre o
seu servo, até a do soberano sobre o seu povo, não deve olvidar que tem almas a seu
cargo; que responderá pela boa ou má diretriz que dê aos seus subordinados e que sobre
ele recairão as faltas que estes cometam, os vícios a que sejam arrastados em
conseqüência dessa diretriz ou dos maus exemplos, do mesmo modo que colherá os frutos
da solicitude que empregar para os conduzir ao bem. Todo homem tem na Terra uma missão,
grande ou pequena; qualquer que ela seja, sempre lhe é dada para o bem; falseá-la em seu
princípio é, pois, falir ao seu desempenho.
Assim como
pergunta ao rico: "Que fizeste da riqueza que nas tuas mãos devera ser um manancial
a espalhar a fecundidade ao teu derredor", também Deus inquirirá daquele que
disponha de alguma autoridade: "Que uso fizeste dessa autoridade? Que males evitaste?
Que progresso facultaste? Se te dei subordinados, não foi para que os fizesses escravos
da tua vontade, nem instrumentos dóceis aos teus caprichos ou à tua cupidez; fiz-te
forte e confiei-te os que eram fracos, para que os amparasses e ajudasses a subir ao meu
seio."
O superior,
que se ache compenetrado das palavras do Cristo, a nenhum despreza dos que lhe estejam
submetidos, porque sabe que as distinções sociais não prevalecem às vistas de Deus.
Ensina-lhe o Espiritismo que, se eles hoje lhe obedecem, talvez já lhe tenham dado
ordens, ou poderão dar-lhas mais tarde, e que ele então será tratado conforme os haja
tratado, quando sobre eles exercia autoridade.
Mas, se o
superior tem deveres a cumprir, o inferior, de seu lado, também os tem e não menos
sagrados. Se for espírita, sua consciência ainda mais imperiosamente lhe dirá que não
pode considerar-se dispensado de cumpri-los, nem mesmo quando o seu chefe deixe de dar
cumprimento aos que lhe correm, porquanto sabe muito bem não ser lícito retribuir o mal
com o mal e que as faltas de uns não justificam as de outrem. Se a sua posição lhe
acarreta sofrimentos, reconhecerá que sem dúvida os mereceu, porque, provavelmente,
abusou outrora da autoridade que tinha, cabendo-lhe, portanto, experimentar a seu turno o
que fizera sofressem os outros. Se se vê forçado a suportar essa posição, por não
encontrar outra melhor, o Espiritismo lhe ensina a resignar-se, como constituindo isso uma
prova para a sua humildade, necessária ao seu adiantamento. Sua crença lhe orienta a
conduta e o induz a proceder como quereria que seus subordinados procedessem para com ele,
caso fosse o chefe. Por isso mesmo, mais escrupuloso se mostra no cumprimento de suas
obrigações, pois compreende que toda negligência no trabalho que lhe está determinado
redunda em prejuízo para aquele que o remunera e a quem deve ele o seu tempo e os seus
esforços. Numa palavra: solicita-o o sentimento do dever, oriundo da sua fé, e a certeza
de que todo afastamento do caminho reto implica uma dívida que, cedo ou tarde, terá de
pagar. - François-Nicolas-Madeleine, Cardeal Morlot. (Paris, 1863.)
10. Um
sentimento de piedade deve sempre animar o coração dos que se reúnem sob as vistas do
Senhor e imploram a assistência dos bons Espíritos. Purificai, pois, os vossos
corações; não consintais que neles demore qualquer pensamento mundano ou fútil. Elevai
o vosso espírito àqueles por quem chamais, a fim de que, encontrando em vós as
necessárias disposições, possam lançar em profusão a semente que é preciso germine
em vossas almas e dê frutos de caridade e justiça.
Não
julgueis, todavia, que, exortando-vos incessantemente à prece e à evocação mental,
pretendamos vivais uma vida mística, que vos conserve fora das leis da sociedade onde
estais condenados a viver. Não; vivei com os homens da vossa época, como devem viver os
homens. Sacrificai às necessidades, mesmo às frivolidades do dia, mas sacrificai com um
sentimento de pureza que as possa santificar.
Sois chamados
a estar em contacto com espíritos de naturezas diferentes, de caracteres opostos: não
choqueis a nenhum daqueles com quem estiverdes. Sede joviais, sede ditosos, mas seja a
vossa jovialidade a que provém de uma consciência limpa, seja a vossa ventura a do
herdeiro do Céu que conta os dias que faltam para entrar na posse da sua herança.
Não consiste
a virtude em assumirdes severo e lúgubre aspecto, em repelirdes os prazeres que as vossas
condições humanas vos permitem. Basta reporteis todos os atos da vossa vida ao Criador
que vo-la deu; basta que, quando começardes ou acabardes uma obra, eleveis o pensamento a
esse Criador e lhe peçais, num arroubo dalma, ou a sua proteção para que obtenhais
êxito, ou a sua bênção para ela, se a concluístes. Em tudo o que fizerdes, remontai
à Fonte de todas as coisas, para que nenhuma de vossas ações deixe de ser purificada e
santificada pela lembrança de Deus.
A perfeição
está toda, como disse o Cristo, na prática da caridade absoluta; mas, os deveres da
caridade alcançam todas as posições sociais, desde o menor até o maior. Nenhuma
caridade teria a praticar o homem que vivesse insulado. Unicamente no contacto com os seus
semelhantes, nas lutas mais árduas é que ele encontra ensejo de praticá-la. Aquele,
pois, que se isola priva-se voluntariamente do mais poderoso meio de aperfeiçoar-se; não
tendo de pensar senão em si, sua vida é a de um egoísta. (Capítulo V, nº 26.)
Não
imagineis, portanto, que, para viverdes em comunicação constante conosco, para viverdes
sob as vistas do Senhor, seja preciso vos cilicieis e cubrais de cinzas. Não, não, ainda
uma vez vos dizemos. Ditosos sede, segundo as necessidades da Humanidade; mas, que jamais
na vossa felicidade entre um pensamento ou um ato que o possa ofender, ou fazer se vele o
semblante dos que vos amam e dirigem. Deus é amor, e aqueles que amam santamente ele os
abençoa. Um Espírito Protetor. (Bordéus, 1863.)
11.
Consistirá na maceração do corpo a perfeição moral? Para resolver essa questão,
apoiar-me-ei em princípios elementares e começarei por demonstrar a necessidade de
cuidar-se do corpo que, segundo as alternativas de saúde e de enfermidade, influi de
maneira muito importante sobre a alma, que cumpre se considere cativa da carne. Para que
essa prisioneira viva, se expanda e chegue mesmo a conceber as ilusões da liberdade, tem
o corpo de estar são, disposto, forte. Façamos uma comparação: Eis se acham ambos em
perfeito estado; que devem fazer para manter o equilíbrio entre as suas aptidões e as
suas necessidades tão diferentes? Inevitável parece a luta entre os dois e difícil
achar-se o segredo de como chegarem a equilíbrio. (1)
Dois sistemas
se defrontam: o dos ascetas, que tem por base o aniquilamento do corpo, e o dos
materialistas, que se baseia no rebaixamento da alma. Duas violências quase tão
insensatas uma quanto a outra. Ao lado desses dois grandes partidos, formiga a numerosa
tribo dos indiferentes que, sem convicção e sem paixão, são mornos no amar e
econômicos no gozar. Onde, então, a sabedoria? Onde, então, a ciência de viver? Em
parte alguma; e o grande problema ficaria sem solução, se o Espiritismo não viesse em
auxílio dos pesquisadores, demonstrando-lhes as relações que existem entre o corpo e a
alma e dizendo-lhes que, por se acharem em dependência mútua, importa cuidar de ambos.
Amai, pois, a vossa alma, porém, cuidai igualmente do vosso corpo, instrumento daquela.
Desatender as necessidades que a própria Natureza indica, é desatender a lei de Deus.
Não castigueis o corpo pelas faltas que o vosso livre-arbítrio o induziu a cometer e
pelas quais é ele tão responsável quanto o cavalo mal dirigido,
pelos acidentes que causa. Sereis, porventura, mais perfeitos se, martirizando o corpo,
não vos tornardes menos egoístas, nem menos orgulhosos e mais caritativos para com o
vosso próximo? Não, a perfeição não está nisso: está toda nas reformas por que
fizerdes passar o vosso Espírito. Dobrai-o, submetei-o, humilhai-o, mortificai-o: esse o
meio de o tornardes dócil à vontade de Deus e o único de alcançardes a perfeição. Jorge,
Espírito Protetor. (Paris, l863.)
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(1)
O último período desse parágrafo - "inevitável parece a luta entre os dois e
difícil achar-se o segredo de como chegarem a equilíbrio" não aparece nas novas
edições francesas desde a 3ª, mas se acha na 1ª edição e, por isso, a repomos no
texto, corrigindo um evidente erro de impressão. - A Editora.
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