CAPÍTULO X
BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS
Perdoai, para que Deus
vos perdoe. - Reconciliação com os
adversários. - O sacrifício mais
agradável a Deus. - O argueiro e a trave no
olho. - Não julgueis, para não
serdes julgados. Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecado. - Instruções
dos Espíritos: - Perdão das ofensas. - A indulgência. - É
permitido repreender os outros, notar as imperfeições de outrem, divulgar o mal de
outrem?
Perdoai, para que
Deus vos perdoe
1. Bem-aventurados
os que são misericordiosos, porque obterão misericórdia. (S. MATEUS, cap. V, v.
7.)
2. Se
perdoardes aos homens as faltas que cometerem contra vós, também vosso Pai celestial vos
perdoará os pecados; - mas, se não perdoardes aos homens quando vos tenham ofendido,
vosso Pai celestial também não vos perdoará os pecados. (S. MATEUS, cap. VI, vv. 14 e
15.)
3. Se
contra vós pecou vosso irmão, ide fazer-lhe sentir a falta em particular, a sós com
ele; se vos atender, tereis ganho o vosso irmão. - Então, aproximando-se dele, disse-lhe
Pedro: "Senhor, quantas vezes perdoarei a meu irmão, quando houver pecado contra
mim? Até sete vezes?" - Respondeu-lhe Jesus: Não vos digo que perdoeis até
sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes." (S. MATEUS, cap. XVIII, vv. 15, 21 e
22.)
Ai daquele
que diz: nunca perdoarei. Esse, se não for condenado pelos homens, sê-lo-á por Deus.
Com que direito reclamaria ele o perdão de suas próprias faltas, se não perdoa as dos
outros? Jesus nos ensina que a misericórdia não deve ter limites, quando diz que cada um
perdoe ao seu irmão, não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes.
Há, porém,
duas maneiras bem diferentes de perdoar: uma, grande, nobre, verdadeiramente generosa, sem
pensamento oculto, que evita, com delicadeza, ferir o amor-próprio e a suscetibilidade do
adversário, ainda quando este último nenhuma justificativa possa ter; a segunda é a em
que o ofendido, ou aquele que tal se julga, impõe ao outro condições humilhantes e lhe
faz sentir o peso de um perdão que irrita, em vez de acalmar; se estende a mão ao
ofensor, não o faz com benevolência, mas com ostentação, a fim de poder dizer a toda
gente: vede como sou generoso! Nessas circunstâncias, é impossível uma reconciliação
sincera de parte a parte. Não, não há aí generosidade; há apenas uma forma de
satisfazer ao orgulho. Em toda contenda, aquele que se mostra mais conciliador, que
demonstra mais desinteresse, caridade e verdadeira grandeza dalma granjeará sempre a
simpatia das pessoas imparciais.
Reconciliação
com os adversários
5. Reconciliai-vos
o mais depressa possível com o vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho, para
que ele não vos entregue ao juiz, o juiz não vos entregue ao ministro da justiça e não
sejais metido em prisão. - Digo-vos, em verdade, que daí não saireis, enquanto não
houverdes pago o último ceitil. (S. MATEUS, cap. V, vv. 25 e 26.)
6. Na
prática do perdão, como, em geral, na do bem, não há somente um efeito moral: há
também um efeito material. A morte, como sabemos, não nos livra dos nossos inimigos; os
Espíritos vingativos perseguem, muitas vezes, com seu ódio, no além-túmulo, aqueles
contra os quais guardam rancor; donde decorre a falsidade do provérbio que diz:
"Morto o animal, morto o veneno", quando aplicado ao homem. O Espírito mau
espera que o outro, a quem ele quer mal, esteja preso ao seu corpo e, assim, menos livre,
para mais facilmente o atormentar, ferir nos seus interesses, ou nas suas mais caras
afeições. Nesse fato reside a causa da maioria dos casos de obsessão, sobretudo dos que
apresentam certa gravidade, quais os de subjugação e possessão. O obsidiado e o
possesso são, pois, quase sempre vítimas de uma vingança, cujo motivo se encontra em
existência anterior, e à qual o que a sofre deu lugar pelo seu proceder. Deus o permite,
para os punir do mal que a seu turno praticaram, ou, se tal não ocorreu, por haverem
faltado com a indulgência e a caridade, não perdoando. Importa, conseguinte ente, do
ponto de vista da tranqüilidade futura, que cada um repare, quanto antes, os agravos que
haja causado ao seu próximo, que perdoe aos seus inimigos, a fim de que, antes que a
morte lhe chegue, esteja apagado qualquer motivo de dissensão, toda causa fundada de
ulterior animosidade. Por essa forma, de um inimigo encarniçado neste mundo se pode fazer
um amigo no outro; pelo menos, o que assim procede põe de seu lado o bom direito e Deus
não consente que aquele que perdoou sofra qualquer vingança. Quando Jesus recomenda que
nos reconciliemos o mais cedo possível com o nosso adversário, não é somente
objetivando apaziguar as discórdias no curso da nossa atual existência; é,
principalmente, para que elas se não perpetuem nas existências futuras. Não saireis de
lá, da prisão, enquanto não houverdes pago até o último centavo, isto é, enquanto
não houverdes satisfeito completamente a justiça de Deus.
O sacrifício
mais agradável a Deus
7. Se,
portanto, quando fordes depor vossa oferenda no altar, vos lembrardes de que o vosso
irmão tem qualquer coisa contra vós, - deixai a vossa dádiva junto ao altar e ide,
antes, reconciliar-vos com o vosso irmão; depois, então, voltai a oferecê-la. - (S.
MATEUS, cap. V, vv. 23 e 24.)
8. Quando
diz: "Ide reconciliar-vos com o vosso irmão, antes de depordes a vossa oferenda no
altar", Jesus ensina que o sacrifício mais agradável ao Senhor é o que o homem
faça do seu próprio ressentimento; que, antes de se apresentar para ser por ele
perdoado, precisa o homem haver perdoado e reparado o agravo que tenha feito a algum de
seus irmãos. Só então a sua oferenda será bem aceita, porque virá de um coração
expungido de todo e qualquer pensamento mau. Ele materializou o preceito, porque os judeus
ofereciam sacrifícios materiais; cumpria--lhe conformar suas palavras aos usos ainda
9. Como
é que vedes um argueiro no olho do vosso irmão, quando não vedes uma trave no vosso
olho? - Ou, como é que dizeis ao vosso irmão: Deixa-me tirar um argueiro ao teu
olho, vós que tendes no vosso uma trave? - Hipócritas, tirai primeiro a trave ao vosso
olho e depois, então, vede como podereis tirar o argueiro do olho do vosso irmão. (S.
MATEUS, cap. VII, vv.
10. Uma das insensatezes da Humanidade consiste em vermos o mal de
outrem, antes de vermos o mal que está
Não julgueis,
para não serdes julgados.
11. Não
julgueis, a fim de não serdes julgados; - porquanto sereis julgados conforme houverdes
julgado os outros; empregar-se-á convosco a mesma medida de que voz tenhais servido para
com os outros. (S. MATEUS, cap. VII, vv. 1 e 2.)
12. Então,
os escribas e os fariseus lhe trouxeram uma mulher que fora surpreendida em adultério e,
pondo-a de pé no meio do povo, - disseram a Jesus: Mestre, esta mulher acaba de ser
surpreendida em adultério; - ora, Moisés, pela lei, ordena que se lapidem as adúlteras.
Qual sobre isso a tua opinião? - Diziam isto para o tentarem e terem de que o
acusar. Jesus, porém, abaixando-se, entrou a escrever na terra com o dedo. - Como
continuassem a interrogá-lo, ele se levantou e disse: Aquele dentre vós que
estiver sem pecado, atire a primeira pedra. - Em seguida, abaixando-se de novo,
continuou a escrever no chão. - Quanto aos que o interrogavam, esses, ouvindo-o falar
daquele modo, se retiraram, um após outro, afastando-se primeiro os velhos. Ficou, pois,
Jesus a sós com a mulher, colocada no meio da praça.
Então,
levantando-se, perguntou-lhe Jesus: Mulher, onde estão os que te acusaram? Ninguém
te condenou? - Ela respondeu: Não, Senhor. Disse-lhe Jesus:
Também eu não te condenarei. Vai-te e de futuro não tornes a pecar. (S.
JOÃO, cap. VIII, vv.
13.
"Atire-lhe a primeira pedra aquele que estiver isento de pecado", disse Jesus.
Essa sentença faz da indulgência um dever para nós outros, porque ninguém há que não
necessite, para si próprio, de indulgência. Ela nos ensina que não devemos julgar com
mais severidade os outros, do que nos julgamos a nós mesmos, nem condenar em outrem
aquilo de que nos absolvemos. Antes de profligarmos a alguém uma falta, vejamos se a
mesma censura não nos pode ser feita.
O reproche lançado à conduta de outrem pode obedecer a dois móveis:
reprimir o mal, ou desacreditar a pessoa cujos atos se criticam. Não tem escusa nunca
este último propósito, porquanto, no caso, então, só há maledicência e maldade. O
primeiro pode ser louvável e constitui mesmo, em certas ocasiões, um dever, porque um
bem deverá daí resultar, e porque, a não ser assim, jamais, na sociedade, se reprimiria
o mal. Não cumpre, aliás, ao homem auxiliar o progresso do seu semelhante? Importa,
pois, não se tome em sentido absoluto este princípio: "Não julgueis se não
quiserdes ser julgado", porquanto a letra mata e o espírito vivifica.
Não é
possível que Jesus haja proibido se profligue o mal, uma vez que ele próprio nos deu o
exemplo, tendo-o feito, até, em termos enérgicos. O que quis significar é que a
autoridade para censurar está na razão direta da autoridade moral daquele que censura.
Tornar-se alguém culpado daquilo que condena noutrem é abdicar dessa autoridade, é
privar-se do direito de repressão. A consciência íntima, ao demais, nega respeito e
submissão voluntária àquele que, investido de um poder qualquer, viola as leis e os
princípios de cuja aplicação lhe cabe o encargo. Aos olhos de Deus, uma única
autoridade legítima existe: a que se apóia no exemplo que dá do bem. E o que,
igualmente, ressalta das palavras de Jesus.
Perdão das ofensas
14. Quantas
vezes perdoarei a meu irmão? Perdoar-lhe-eis, não sete vezes, mas setenta vezes sete
vezes. Aí tendes um dos ensinos de Jesus que mais vos devem percutir a inteligência e
mais alto falar ao coração. Confrontai essas palavras de misericórdia com a oração
tão simples, tão resumida e tão grande em suas aspirações, que ensinou a seus
discípulos, e o mesmo pensamento se vos deparará sempre. Ele, o justo por excelência,
responde a Pedro: perdoarás, mas ilimitadamente; perdoarás cada ofensa tantas vezes
quantas ela te for feita; ensinarás a teus irmãos esse esquecimento de si mesmo, que
torna uma criatura invulnerável ao ataque, aos maus procedimentos e às injúrias; serás
brando e humilde de coração, sem medir a tua mansuetude; farás, enfim, o que desejas
que o Pai celestial por ti faça. Não está ele a te perdoar freqüentemente? Conta
porventura as vezes que o seu perdão desce a te apagar as faltas?
Prestai,
pois, ouvidos a essa resposta de Jesus e, como Pedro, aplicai-a a vós mesmos. Perdoai,
usai de indulgência, sede caridosos, generosos, pródigos até do vosso amor. Dai, que o Senhor vos restituirá; perdoai, que o Senhor vos
perdoará; abaixai-vos, que o Senhor vos elevará; humilhai-vos, que o Senhor fará vos
assenteis à sua direita.
Ide, meus
bem-amados, estudai e comentai estas palavras que vos dirijo da parte dAquele que, do alto
dos esplendores celestes, vos tem sempre sob as suas vistas e prossegue com amor na tarefa
ingrata a que deu começo, faz dezoito séculos. Perdoai aos vossos irmãos, como
precisais que se vos perdoe. Se seus atos pessoalmente vos prejudicaram, mais um motivo
aí tendes para serdes indulgentes, porquanto o mérito do perdão é proporcionado à
gravidade do mal. Nenhum merecimento teríeis em relevar os agravos dos vossos irmãos,
desde que não passassem de simples arranhões.
Espíritas,
jamais vos esqueçais de que, tanto por palavras, como por atos, o perdão das injúrias
não deve ser um termo vão. Pois que vos dizeis espíritas, sede-o. Olvidai o mal que vos
hajam feito e não penseis senão numa coisa: no bem que podeis fazer. Aquele que
enveredou por esse caminho não tem que se afastar daí, ainda que por pensamento, uma vez
que sois responsáveis pelos vossos pensamentos, os quais todos Deus conhece. Cuidai,
portanto, de os expungir de todo sentimento de rancor. Deus sabe o que demora no fundo do
coração de cada um de seus filhos. Feliz, pois, daquele que pode todas as noites
adormecer, dizendo: Nada tenho contra o meu próximo. Simeão. (Bordéus, 1862.)
15. Perdoar
aos inimigos é pedir perdão para si próprio; perdoar aos amigos é dar-lhes uma prova
de amizade; perdoar as ofensas é mostrar-se melhor do que era. Perdoai, pois, meus
amigos, a fim de que Deus vos perdoe, porquanto, se fordes duros, exigentes, inflexíveis,
se usardes de rigor até por uma ofensa leve, como querereis que Deus esqueça de que cada
dia maior necessidade tendes de indulgência? Oh! ai daquele que diz: "Nunca
perdoarei", pois pronuncia a sua própria condenação. Quem sabe, aliás, se,
descendo ao fundo de vós mesmos, não reconhecereis que fostes o agressor? Quem sabe se,
nessa luta que começa por uma alfinetada e acaba por uma ruptura, não fostes quem atirou
o primeiro golpe, se vos não escapou alguma palavra injuriosa, se não procedestes com
toda a moderação necessária? Sem dúvida, o vosso adversário andou mal em se mostrar
excessivamente suscetível; razão de mais para serdes indulgentes e para não vos
tomardes merecedores da invectiva que lhe lançastes. Admitamos que, em dada
circunstância, fostes realmente ofendido: quem dirá que não envenenastes as coisas por
meio de represálias e que não fizestes degenerasse em querela grave o que houvera podido
cair facilmente no olvido? Se de vós dependia impedir as conseqüências do fato e não
as impedistes, sois culpados. Admitamos, finalmente, que de nenhuma censura vos
reconheceis merecedores: mostrai-vos clementes e com isso só fareis que o vosso mérito
cresça.
Mas, há duas
maneiras bem diferentes de perdoar: há o perdão dos lábios e o perdão do coração.
Muitas pessoas dizem, com referência ao seu adversário: "Eu lhe perdôo", mas,
interiormente, alegram-se com o mal que lhe advém, comentando que ele tem o que merece.
Quantos não dizem: "Perdôo" e acrescentam. "mas, não me reconciliarei
nunca; não quero tornar a vê-lo em toda a minha vida." Será esse o perdão,
segundo o Evangelho? Não; o perdão verdadeiro, o perdão cristão é aquele que lança
um véu sobre o passado; esse o único que vos será levado em conta, visto que Deus não
se satisfaz com as aparências. Ele sonda o recesso do coração e os mais secretos
pensamentos. Ninguém se lhe impõe por meio de vãs palavras e de simulacros. O
esquecimento completo e absoluto das ofensas é peculiar às grandes almas; o rancor é
sempre sinal de baixeza e de inferioridade. Não olvideis que o verdadeiro perdão se
reconhece muito mais pelos atos do que pelas palavras. - Paulo, apóstolo. (Lião,
1861.)
16.
Espíritas, queremos falar-vos hoje da indulgência, sentimento doce e fraternal que todo
homem deve alimentar para com seus irmãos, mas do qual bem poucos fazem uso.
A
indulgência não vê os defeitos de outrem, ou, se os vê, evita falar deles,
divulgá-los. Ao contrário, oculta-os, a fim de que se não tornem conhecidos senão dela
unicamente, e, se a malevolência os descobre, tem sempre pronta uma escusa para eles,
escusa plausível, séria, não das que, com aparência de atenuar a falta, mais a
evidenciam com pérfida intenção.
A
indulgência jamais se ocupa com os maus atos de outrem, a menos que seja para prestar um
serviço; mas, mesmo neste caso, tem o cuidado de os atenuar tanto quanto possível. Não
faz observações chocantes, não tem nos lábios censuras; apenas conselhos e, as mais
das vezes, velados. Quando criticais, que conseqüência se há de tirar das vossas
palavras? A de que não tereis feito o que reprovais, visto que estais a censurar; que
valeis mais do que o culpado. O homens! quando será que julgareis os vossos próprios
corações, os vossos próprios pensamentos, os vossos próprios atos, sem vos ocupardes
com o que fazem vossos irmãos? Quando só tereis olhares severos sobre vós mesmos?
Sede, pois,
severos para convosco, indulgentes para com os outros. Lembrai-vos daquele que julga em
última instância, que vê os pensamentos íntimos de cada coração e que, por
conseguinte, desculpa muitas vezes as faltas que censurais, ou condena o que relevais,
porque conhece o móvel de todos os atos. Lembrai-vos de que vós, que clamais em altas
vozes: anátema! tereis, quiçá, cometido faltas mais graves.
Sede
indulgentes, meus amigos, porquanto a indulgência atrai, acalma, ergue, ao passo que o
rigor desanima, afasta e irrita. - José, Espírito protetor. (Bordéus, 1863.)
17. Sede
indulgentes com as faltas alheias, quaisquer que elas sejam; não julgueis com severidade
senão as vossas próprias ações e o Senhor usará de indulgência para convosco, como
de indulgência houverdes usado para com os outros.
Sustentai os
fortes: animai-os à perseverança. Fortalecei os fracos, mostrando-lhes a bondade de
Deus, que leva em conta o menor arrependimento; mostrai a todos o anjo da penitência
estendendo suas brancas asas sobre as faltas dos humanos e velando-as assim aos olhares
daquele que não pode tolerar o que é impuro. Compreendei todos a misericórdia infinita
de vosso Pai e não esqueçais nunca de lhe dizer, pelos pensamentos, mas, sobretudo,
pelos atos: "Perdoai as nossas ofensas, como perdoamos aos que nos hão
ofendido." Compreendei bem o valor destas sublimes palavras, nas quais não somente a
letra é admirável, mas principalmente o ensino que ela veste.
Que é o que
pedis ao Senhor, quando implorais para vós o seu perdão? Será unicamente o olvido das
vossas ofensas? Olvido que vos deixaria no nada, porquanto, se Deus se limitasse a
esquecer as vossas faltas, Ele não puniria, é exato, mas tampouco recompensaria. A
recompensa não pode constituir prêmio do bem que não foi feito, nem, ainda menos, do
mal que se haja praticado, embora esse mal fosse esquecido. Pedindo-lhe que perdoe os
vossos desvios, o que lhe pedis é o favor de suas graças, para não reincidirdes neles,
é a força de que necessitais para enveredar por outras sendas, as da submissão e do
amor, nas quais podereis juntar ao arrependimento a reparação.
Quando
perdoardes aos vossos irmãos, não vos contenteis com o estender o véu do esquecimento
sobre suas faltas, porquanto, as mais das vezes, muito transparente é esse véu para os
olhares vossos. Levai-lhes simultaneamente, com o perdão, o amor; fazei por eles o que
pediríeis fizesse o vosso Pai celestial por vós. Substitui a cólera que conspurca, pelo
amor que purifica. Pregai, exemplificando, essa caridade ativa, infatigável, que Jesus
vos ensinou; pregai-a, como ele o fez durante todo o tempo em que esteve na Terra,
visível aos olhos corporais e como ainda a prega incessantemente, desde que se tornou
visível tãosomente aos olhos do Espírito. Segui esse modelo divino; caminhai em suas
pegadas; elas vos conduzirão ao refúgio onde encontrareis o repouso após a luta. Como
ele, carregai todos vós as vossas cruzes e subi penosamente, mas com coragem, o vosso
calvário, em cujo cimo está a glorificação. - João, bispo de Bordéus. (1862.)
18. Caros
amigos, sede severos convosco, indulgentes para as fraquezas dos outros. E esta uma
prática da santa caridade, que bem poucas pessoas observam. Todos vós tendes maus
pendores a vencer, defeitos a corrigir, hábitos a modificar; todos tendes um fardo mais
ou menos pesado a alijar, para poderdes galgar o cume da montanha do progresso. Por que,
então, haveis de mostrar-vos tão clarividentes com relação ao próximo e tão cegos
com relação a vós mesmos? Quando deixareis de perceber, nos olhos de vossos irmãos, o
pequenino argueiro que os incomoda, sem atentardes na trave que, nos vossos olhos, vos
cega, fazendo-vos ir de queda em queda? Crede nos vossos irmãos, os Espíritos. Todo
homem, bastante orgulhoso para se julgar superior, em virtude e mérito, aos seus irmãos
encarnados, é insensato e culpado: Deus o castigará no dia da sua justiça. O verdadeiro
caráter da caridade é a modéstia e a humildade, que consistem em ver cada um apenas
superficialmente os defeitos de outrem e esforçar-se por fazer que prevaleça o que há
nele de bom e virtuoso, porquanto, embora o coração humano seja um abismo de
corrupção, sempre há, nalgumas de suas dobras mais ocultas, o gérmen de bons
sentimentos, centelha vivaz da essência espiritual.
Espiritismo!
doutrina consoladora e bendita! felizes dos que te conhecem e tiram proveito dos salutares
ensinamentos dos Espíritos do Senhor! Para esses, iluminado está o caminho, ao longo do
qual podem ler estas palavras que lhes indicam o meio de chegarem ao termo da jornada:
caridade prática, caridade do coração, caridade para com o próximo, como para si
mesmo; numa palavra: caridade para com todos e amor a Deus acima de todas as coisas,
porque o amor a Deus resume todos os deveres e porque impossível é amar realmente a
Deus, sem praticar a caridade, da qual fez ele uma lei para todas as criaturas. -Dufêtre,
bispo de Nevers. (Bordéus.)
É permitido repreender os outros, notar as imperfeições de outrem,
divulgar o mal de
19. Ninguém
sendo perfeito, seguir-se-á que ninguém tem o direito de repreender o seu próximo?
Certamente
que não é essa a conclusão a tirar-se, porquanto cada um de vós deve trabalhar pelo
progresso de todos e, sobretudo, daqueles cuja tutela vos foi confiada. Mas, por isso
mesmo, deveis fazê-lo com moderação, para um fim útil, e não, como as mais das vezes,
pelo prazer de denegrir. Neste último caso, a repreensão é uma maldade; no primeiro, é
um dever que a caridade manda seja cumprido com todo o cuidado possível. Ao demais, a
censura que alguém faça a outrem deve ao mesmo tempo dirigi-la a si próprio, procurando
saber se não a terá merecido. - S. Luís. (Paris, 1860.)
20. Será
repreensível notarem-se as imperfeições dos outros, quando daí nenhum proveito possa
resultar para eles, uma vez que não sejam divulgadas?
Tudo depende
da intenção. Decerto, a ninguém é defeso ver o mal, quando ele existe. Fora mesmo
inconveniente ver em toda a parte só o bem. Semelhante ilusão prejudicaria o progresso.
O erro está no fazer-se que a observação redunde em detrimento do próximo,
desacreditando-o, sem necessidade, na opinião geral. Igualmente repreensível seria
fazê-lo alguém apenas para dar expansão a um sentimento de malevolência e à
satisfação de apanhar os outros
21. Haverá
casos em que convenha se desvende o mal de outrem?
É muito
delicada esta questão e, para resolvê-la, necessário se toma apelar para a caridade bem
compreendida. Se as imperfeições de uma pessoa só a ela prejudicam, nenhuma utilidade
haverá nunca