CAPÍTULO III
HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DE MEU PAI
Diferentes
estados da alma na erraticidade. - Diferentes categorias de mundos
habitados. - Destinação
da Terra. Causas das misérias terrenas. - Instruções dos Espíritos: Mundos superiores e mundos inferiores. - Mundos de expiações e de provas. Mundos regeneradores. - Progressão
dos mundos.
1. Não se
turbe o vosso coração. - Credes em Deus, crede também
Diferentes
estados da alma na erraticidade
Independente
da diversidade dos mundos, essas palavras de Jesus também podem referir-se ao estado
venturoso ou desgraçado do Espírito na erraticidade. Conforme se ache este mais ou menos
depurado e desprendido dos laços materiais, variarão ao infinito o meio em que ele se
encontre, o aspecto das coisas, as sensações que experimente, as percepções que tenha.
Enquanto uns não se podem afastar da esfera onde viveram, outros se elevam e percorrem o
espaço e os mundos; enquanto alguns Espíritos culpados erram nas trevas, os
bem-aventurados gozam de resplendente claridade e do espetáculo sublime do Infinito;
finalmente, enquanto o mau, atormentado de remorsos e pesares, muitas vezes insulado, sem
consolação, separado dos que constituíam objeto de suas afeições, pena sob o guante
dos sofrimentos morais, o justo, em convívio com aqueles a quem ama, frui as delícias de
uma felicidade indizível. Também nisso, portanto, há muitas moradas, embora não
circunscritas, nem localizadas.
Diferentes
categorias de mundos habitados
3. Do ensino
dado pelos Espíritos, resulta que muito diferentes umas das outras são as condições
dos mundos, quanto ao grau de adiantamento ou de inferioridade dos seus habitantes. Entre
eles há-os em que estes últimos são ainda inferiores aos da Terra, física e
moralmente; outros, da mesma categoria que o nosso; e outros que lhe são mais ou menos
superiores a todos os respeitos. Nos mundos inferiores, a existência é toda material,
reinam soberanas as paixões, sendo quase nula a vida moral. A medida que esta se
desenvolve, diminui a influência da matéria, de tal maneira que, nos mundos mais
adiantados, a vida é, por assim dizer, toda espiritual.
4. Nos mundos
intermédios, misturam-se o bem e o mal, predominando um ou outro, segundo o grau de
adiantamento da maioria dos que os habitam. Embora se não possa fazer, dos diversos
mundos, uma classificação absoluta, pode-se contudo, em virtude do estado em que se
acham e da destinação que trazem, tomando por base os matizes mais salientes,
dividi-los, de modo geral, como segue: mundos primitivos, destinados às primeiras
encarnações da alma humana; mundos de expiação e provas, onde domina o mal; mundos de
regeneração, nos quais as almas que ainda têm o que expiar haurem novas forças,
repousando das fadigas da luta; mundos ditosos, onde o bem sobrepuja o mal; mundos
celestes ou divinos, habitações de Espíritos depurados, onde exclusivamente reina o
bem. A Terra pertence à categoria dos mundos de expiação e provas, razão por que aí
vive o homem a braços com tantas misérias.
5. Os
Espíritos que encarnam em um mundo não se acham a ele presos indefinidamente, nem nele
atravessam todas as fases do progresso que lhes cumpre realizar, para atingir a
perfeição. Quando, em um mundo, eles alcançam o grau de adiantamento que esse mundo
comporta, passam para outro mais adiantado, e assim por diante, até que cheguem ao estado
de puros Espíritos. São outras tantas estações, em cada uma das quais se lhes deparam
elementos de progresso apropriados ao adiantamento que já conquistaram. Élhes uma
recompensa ascenderem a um mundo de ordem mais elevada, como é um castigo o prolongarem a
sua permanência em um mundo desgraçado, ou serem relegados para outro ainda mais infeliz
do que aquele a que se vêem impedidos de voltar quando se obstinaram no mal.
Destinação
da Terra. - Causas das misérias humanas
6. Muitos se
admiram de que na Terra haja tanta maldade e tantas paixões grosseiras, tantas misérias
e enfermidades de toda natureza, e daí concluem que a espécie humana bem triste coisa
é. Provém esse juízo do acanhado ponto de vista cm que se colocam os que o emitem e que
lhes dá uma falsa idéia do conjunto. Deve-se considerar que na Terra não está a
Humanidade toda, mas apenas uma pequena fração da Humanidade. Com efeito, a espécie
humana abrange todos os seres dotados de razão que povoam os inúmeros orbes do Universo.
Ora, que é a população da Terra, em face da população total desses mundos? Muito
menos que a de uma aldeia, em confronto com a de um grande império. A situação material
e moral da Humanidade terrena nada tem que espante, desde que se leve em conta a
destinação da Terra e a natureza dos que a habitam.
7. Faria dos
habitantes de uma grande cidade falsíssima idéia quem os julgasse pela população dos
seus quarteirões mais íntimos e sórdidos. Num hospital, ninguém vê senão doentes e
estropiados; numa penitenciária, vêem-se reunidas todas as torpezas, todos os vícios;
nas regiões insalubres, os habitantes, em sua maioria são pálidos, franzinos e
enfermiços. Pois bem: figure-se a Terra como um subúrbio, um hospital, uma
penitenciaria, um sítio malsão, e ela é simultaneamente tudo isso, e compreender-se-á
por que as aflições sobrelevam aos gozos, porquanto não se mandam para o hospital os
que se acham com saúde, nem para as casas de correção os que nenhum mal praticaram; nem
os hospitais e as casas de correção se podem ter por lugares de deleite. Ora, assim
como, numa cidade, a população não se encontra toda nos hospitais ou nas prisões,
também na Terra não está a Humanidade inteira. E, do mesmo modo que do hospital saem os
que se curaram e da prisão os que cumpriram suas penas, o homem deixa a Ferra, quando
está curado de suas enfermidades morais.
Mundos inferiores e mundos superiores
Tomada a
Terra por termo de comparação, pode-se fazer idéia do estado de um mundo inferior,
supondo os seus habitantes na condição das raças selvagens ou das nações bárbaras
que ainda entre nós se encontram, restos do estado primitivo do nosso orbe. Nos mais
atrasados, são de certo modo rudimentares os seres que os habitam. Revestem a forma
humana, mas sem nenhuma beleza. Seus instintos não têm a abrandá-los qualquer
sentimento de delicadeza ou de benevolência, nem as noções do justo e do injusto. A
força bruta é, entre eles, a única lei. Carentes de indústrias e de invenções,
passam a vida na conquista de alimentos. Deus, entretanto, a nenhuma de suas criaturas
abandona; no fundo das trevas da inteligência jaz, latente, a vaga intuição, mais ou
menos desenvolvida, de um Ente supremo. Esse instinto basta para torná-los superiores uns
aos outros e para lhes preparar a ascensão a uma vida mais completa, porquanto eles não
são seres degradados, mas crianças que estão a crescer.
Entre os
degraus inferiores e os mais elevados, inúmeros outros há, e difícil é reconhecer-se
nos Espíritos puros, desmaterializados e resplandecentes de glória, os que foram esses
seres primitivos, do mesmo modo que no homem adulto se custa a reconhecer o embrião.
9. Nos mundos
que chegaram a um grau superior, as condições da vida moral e material são muitíssimo
diversas das da vida na Terra. Como por toda parte, a forma corpórea aí é sempre a
humana, mas embelezada, aperfeiçoada e, sobretudo, purificada. O corpo nada tem da
materialidade terrestre e não está, conseguintemente, sujeito às necessidades, nem às
doenças ou deteriorações que a predominância da matéria provoca. Mais apurados, os
sentidos são aptos a percepções a que neste mundo a grosseria da matéria obsta. A
leveza específica do corpo permite locomoção rápida e fácil: em vez de se arrastar
penosamente pelo solo, desliza, a bem dizer, pela superfície, ou plana na atmosfera, sem
qualquer outro esforço além do da vontade, conforme se representam os anjos, ou como os
antigos imaginavam os manes nos Campos Elíseos. Os homens conservam, a seu grado, os
traços de suas passadas migrações e se mostram a seus amigos tais quais estes os
conheceram, porém, irradiando uma luz divina, transfigurados pelas impressões
interiores, então sempre elevadas. Em lugar de semblantes descorados, abatidos pelos
sofrimentos e paixões, a inteligência e a vida cintilam com o fulgor que os pintores
hão figurado no nimbo ou auréola dos santos.
A pouca
resistência que a matéria oferece a Espíritos já muito adiantados torna rápido o
desenvolvimento dos corpos e curta ou quase nula a infância. Isenta de cuidados e
angústias, a vida é proporcionalmente muito mais longa do que na Terra. Em princípio, a
longevidade guarda proporção com o grau de adiantamento dos mundos. A morte de modo
algum acarreta os horrores da decomposição; longe de causar pavor, é considerada uma
transformação feliz, por isso que lá não existe a dúvida sobre o porvir. Durante a
vida, a alma, já não tendo a constringi-la a matéria compacta, expande-se e goza de uma
lucidez que a coloca em estado quase permanente de emancipação e lhe consente a livre
transmissão do pensamento.
10. Nesses
mundos venturosos, as relações, sempre amistosas entre os povos, jamais são perturbadas
pela ambição, da parte de qualquer deles, de escravizar o seu vizinho, nem pela guerra
que daí decorre. Não há senhores, nem escravos, nem privilegiados pelo nascimento; só
a superioridade moral e intelectual estabelece diferença entre as condições e dá a
supremacia. A autoridade merece o respeito de todos, porque somente ao mérito é
conferida e se exerce sempre com justiça. O homem não procura elevar-se acima do
homem, mas acima de si mesmo, aperfeiçoando-se. Seu objetivo é galgar a categoria
dos Espíritos puros, não lhe constituindo um tormento esse desejo, porem, uma ambição
nobre, que o induz a estudar com ardor para os igualar. Lá, todos os sentimentos
delicados e elevados da natureza humana se acham engrandecidos e purificados;
desconhecem-se os ódios, os mesquinhos ciúmes, as baixas cobiças da inveja; um laço de
amor e fraternidade prende uns aos outros todos os homens, ajudando os mais fortes aos
mais fracos. Possuem bens, em maior ou menor quantidade, conforme os tenham adquirido,
mais ou menos por meio da inteligência; ninguém, todavia, sofre, por lhe faltar o
necessário, uma vez que ninguém se acha
11. No vosso,
precisais do mal para sentirdes o bem; da noite, para admirardes a luz; da doença, para
apreciardes a saúde. Naqueles outros não há necessidade desses contrastes. A eterna
luz, a eterna beleza e a eterna serenidade da alma proporcionam uma alegria eterna, livre
de ser perturbada pelas angústias da vida material, ou pelo contacto dos maus, que lá
não têm acesso. Isso o que o espírito humano maior dificuldade encontra para
compreender. Ele foi bastante engenhoso para pintar os tormentos do inferno, mas nunca
pôde imaginar as alegrias do céu. Por quê? Porque, sendo inferior, só há
experimentado dores e misérias, jamais entreviu as claridades celestes; não pode, pois,
falar do que não conhece. A medida, porém, que se eleva e depura, o horizonte se lhe
dilata e ele compreende o bem que está diante de si, como compreendeu o mal que lhe está
atrás.
12.
Entretanto, os mundos felizes não são orbes privilegiados, visto que Deus não é
parcial para qualquer de seus filhos; a todos dá os mesmos direitos e as mesmas
facilidades para chegarem a tais mundos. Fá-los partir todos do mesmo ponto e a nenhum
dota melhor do que aos outros; a todos são acessíveis as mais altas categorias: apenas
lhes cumpre a eles conquistá-las pelo seu trabalho, alcançá-las mais depressa, ou
permanecer inativos por séculos de séculos no lodaçal da Humanidade. (Resumo do
ensino de todos os Espíritos superiores.)
Mundos de
expiações e de provas
13. Que vos
direi dos mundos de expiações que já não saibais, pois basta observeis o em que
habitais? A superioridade da inteligência, em grande número dos seus habitantes, indica
que a Terra não é um mundo primitivo, destinado à encarnação dos Espíritos que
acabaram de sair das mãos do Criador. As qualidades inatas que eles trazem consigo
constituem a prova de que já viveram e realizaram certo progresso. Mas, também, os
numerosos vícios a que se mostram propensos constituem o índice de grande imperfeição
moral. Por isso os colocou [)eus num mundo ingrato, para expiarem aí suas faltas,
mediante penoso trabalho e misérias da vida, até que hajam merecido ascender a um
planeta mais ditoso.
14.
Entretanto, nem todos os Espíritos que encarnam na Terra vão para aí
Os Espíritos
em expiação, se nos podemos exprimir dessa forma, são exóticos, na Terra; já tiveram
noutros mundos, donde foram excluídos em conseqüência da sua obstinação no mal e por
se haverem constituído, em tais mundos, causa de perturbação para os bons. Tiveram de
ser degradados, por algum tempo, para o meio de Espíritos mais atrasados, com a missão
de fazer que estes últimos avançassem, pois que levam consigo inteligências
desenvolvidas e o gérmen dos conhecimentos que adquiriram. Daí vem que os Espíritos em
punição se encontram no seio das raças mais inteligentes. Por isso mesmo, para essas
raças é que de mais amargor se revestem OS infortúnios da vida. E que há nelas mais
sensibilidade, sendo, portanto, mais provadas pelas contrariedades e desgostos do que as
raças primitivas, cujo senso moral se acha mais embotado.
16. Entre as
estrelas que cintilam na abóbada azul do firmamento, quantos mundos não haverá como o
vosso, destinados pelo Senhor à expiação e à provação! Mas, também os há mais
miseráveis e melhores, como os há de transição, que se podem denominar de
regeneradores. Cada turbilhão planetário, a deslocar-se no espaço em torno de um centro
comum, arrasta consigo seus mundos primitivos, de exílio, de provas, de regeneração e
de felicidade. Já se vos há falado de mundos onde a alma recém-nascida é colocada,
quando ainda ignorante do bem e do mal, mas com a possibilidade de caminhar para Deus,
senhora de si mesma, na posse do livre-arbítrio. Já também se vos revelou de que amplas
faculdades é dotada a alma para praticar o bem. Mas, ah! há as que sucumbem, e Deus, que
não as quer aniquiladas, lhes permite irem para esses mundos onde, de encarnação em
encarnação, elas se depuram, regeneram e voltam dignas da glória que lhes fora
destinada.
17. Os mundos
regeneradores servem de transição entre os mundos de expiação e os mundos felizes. A
alma penitente encontra neles a calma e o repouso e acaba por depurar-se. Sem dúvida, em tais mundos o homem ainda se acha
sujeito às leis que regem a matéria; a Humanidade experimenta as vossas sensações e
desejos, mas liberta das paixões desordenadas de que sois escravos, isenta do orgulho que
impõe silêncio ao coração, da inveja que a tortura, do ódio que a sufoca. Em todas as
frontes, vê-se escrita a palavra amor; perfeita equidade preside às relações sociais,
todos reconhecem Deus e tentam caminhar para Ele, cumprindo-lhe as leis.
Nesses
mundos, todavia, ainda não existe a felicidade perfeita, mas a aurora da felicidade. O
homem lá é ainda de carne e, por isso, sujeito às vicissitudes de que libertos só se
acham os seres completamente desmaterializados. Ainda tem de suportar provas, porém, sem
as pungentes angústias da expiação. Comparados à Terra, esses mundos são bastante
ditosos e muitos dentre vós se alegrariam de habitá-los, pois que eles representam a
calma após a tempestade, a convalescença após a moléstia cruel. Contudo, menos
absorvido pelas coisas materiais, o homem divisa, melhor do que vós, o futuro; compreende
a existência de outros gozos prometidos pelo Senhor aos que deles se mostrem dignos,
quando a morte lhes houver de novo ceifado os corpos, a fim de lhes outorgar a verdadeira
vida. Então, liberta, a alma pairará acima de todos os horizontes. Não mais sentidos
materiais e grosseiros; somente os sentidos de um perispírito puro e celeste, a aspirar
as emanações do próprio Deus, nos aromas de amor e de caridade que do seu seio emanam.
18. Mas, ah!
nesses mundos, ainda falível é o homem e o Espírito do mal não há perdido
completamente o seu império. Não avançar é recuar, e, se o homem não se houver
firmado bastante na senda do bem, pode recair nos mundos de expiação, onde, então,
novas e mais terríveis provas o aguardam.
Contemplai,
pois, à noite, à hora do repouso e da prece, a abóbada azulada e, das inúmeras esferas
que brilham sobre as vossas cabeças, indagai de vós mesmos quais as que conduzem a Deus
e pedi-lhe que uni mundo regenerador vos abra seu seio, após a expiação na Terra. - Santo
Agostinho. (Paris, 1862.)
19. O
progresso é lei da Natureza. A essa lei todos os seres da Criação, animados e
inanimados, foram submetidos pela bondade de Deus, que quer que tudo se engrandeça e
prospere. A própria destruição, que aos homens parece o termo final de todas as coisas,
é apenas uni meio de se chegar, pela transformação, a um estado mais perfeito, visto
que tudo morre para renascer e nada sofre o aniquilamento.
Ao mesmo
tempo que todos os seres vivos progridem moralmente, progridem materialmente os mundos em
que eles habitam. Quem pudesse acompanhar um mundo em suas diferentes fases, desde o
instante em que se aglomeraram os primeiros átomos destinados e constituí-lo, vê-lo-ia
a percorrer uma escala incessantemente progressiva, mas de degraus imperceptíveis para
cada geração, e a oferecer aos seus habitantes uma morada cada vez mais agradável, à
medida que eles próprios avançam na senda do progresso. Marcham assim, paralelamente, o
progresso do homem, o dos animais, seus auxiliares, o dos vegetais e o da habitação,
porquanto nada
Segundo
aquela lei, este mundo esteve material e moralmente num estado inferior ao em que hoje se
acha e se alçará sob esse duplo aspecto a um grau mais elevado. Ele há chegado a um dos
seus períodos de transformação, em que, de orbe expiatório, mudar-se-á em planeta de
regeneração, onde os homens serão ditosos, porque nele imperará a lei de Deus. - Santo
Agostinho. (Paris, 1862.)