Parte Terceira - Das Leis Morais
1. Destruição necessária e
destruição abusiva. - 2. Flagelos destruidores.
- 3. Guerras. - 4.
Destruição necessária e
destruição abusiva
728. É lei
da Natureza a destruição?
Preciso é que tudo se destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição não passa de uma transformação, que tem por fim a renovação e melhoria dos seres vivos.
a) - O
instinto de destruição teria sido dado aos seres vivos por desígnios
As criaturas são instrumentos de que Deus se serve para chegar aos fins que objetiva. Para se alimentarem, os seres vivos reciprocamente se destroem, destruição esta que obedece a um duplo fim: manutenção do equilíbrio na reprodução, que poderia tornar-se excessiva, e utilização dos despojos do invólucro exterior que sofre a destruição. Esse invólucro é simples acessório e não a parte essencial do ser pensante. A parte essencial é o princípio inteligente, que não se pode destruir e se elabora nas metamorfoses diversas por que passa.
729. Se a
regeneração dos seres faz necessária a destruição, por que os cerca a
A fim de que a destruição não se dê antes de tempo. Toda destruição antecipada obsta ao desenvolvimento do princípio inteligente. Por isso foi que Deus fez que cada ser experimentasse a necessidade de viver e de se reproduzir.
730. Uma
vez que a morte nos faz passar a uma vida melhor, nos livra dos males
Já dissemos que o homem deve procurar prolongar a vida, para cumprir a sua tarefa. Tal o motivo por que Deus lhe deu o instinto de conservação, instinto que o sustenta nas provas. A não ser assim, ele muito freqüentemente se entregaria ao desânimo. A voz íntima, que o induz a repelir a morte, lhe diz que ainda pode realizar alguma coisa pelo seu progresso. A ameaça de um perigo constitui aviso, para que se aproveite da dilação que Deus lhe concede. Mas, ingrato, o homem rende graças mais vezes à sua estrela do que ao seu Criador.
731. Por
que, ao lado dos meios de conservação, colocou a Natureza os agentes de
É o remédio ao lado do mal. Já dissemos: para manter o equilíbrio e servir de contrapeso.
732. Será
idêntica, em todos os mundos, a necessidade de destruição?
Guarda proporções com o estado mais ou menos material dos mundos. Cessa, quando o físico e o moral se acham mais depurados. Muito diversas são as condições de existência nos mundos mais adiantados do que o vosso.
733. Entre
os homens da Terra existirá sempre a necessidade da destruição?
Essa necessidade se enfraquece no homem, à medida que o Espírito sobrepuja a matéria. Assim é que, como podeis observar, o horror à destruição cresce com o desenvolvimento intelectual e moral.
734. Em seu
estado atual, tem o homem direito ilimitado de destruição sobre os
Tal direito se acha regulado pela necessidade, que ele tem, de prover ao seu sustento e à sua segurança. O abuso jamais constitui direito.
735. Que se
deve pensar da destruição, quando ultrapassa os limites que as
Predominância da bestialidade sobre a natureza espiritual. Toda destruição que excede os limites da necessidade é uma violação da lei de Deus. Os animais só destroem para satisfação de suas necessidades; enquanto que o homem, dotado de livre-arbítrio, destrói sem necessidade. Terá que prestar contas do abuso da liberdade que lhe foi concedida, pois isso significa que cede aos maus instintos.
736. Especial
merecimento terão os povos que levam ao excesso o escrúpulo,
Esse excesso, no tocante a um sentimento louvável em si mesmo, se torna abusivo e o seu merecimento fica neutralizado por abusos de muitas outras espécies. Entre tais povos, há mais temor supersticioso do que verdadeira bondade.
737. Com
que fim fere Deus a Humanidade por meio de flagelos destruidores?
Para fazê-la progredir mais depressa. Já não dissemos ser a destruição uma necessidade para a regeneração moral dos Espíritos, que, em cada nova existência, sobem um degrau na escala do aperfeiçoamento? Preciso é que se veja o objetivo, para que os resultados possam ser apreciados. Somente do vosso ponto de vista pessoal os apreciais; daí vem que os qualificais de flagelos, por efeito do prejuízo que vos causam. Essas subversões, porém, são freqüentemente necessárias para que mais pronto se dê o advento de uma melhor ordem de coisas e para que se realize em alguns anos o que teria exigido muitos séculos. (744)
738. Para
conseguir a melhora da Humanidade, não podia Deus empregar outros
Pode e os emprega todos os dias, pois que deu a cada um os meios de progredir pelo conhecimento do bem e do mal. O homem, porém, não se aproveita desses meios. Necessário, portanto, se torna que seja castigado no seu orgulho e que se lhe faça sentir a sua fraqueza.
a) - Mas,
nesses flagelos, tanto sucumbe o homem de bem como o perverso. Será
Durante a vida, o homem tudo refere ao seu corpo; entretanto, de maneira diversa pensa depois da morte. Ora, conforme temos dito, a vida do corpo bem pouca coisa é. Um século no vosso mundo não passa de um relâmpago na eternidade. Logo, nada são os sofrimentos de alguns dias ou de alguns meses, de que tanto vos queixais. Representam um ensino que se vos dá e que vos servirá no futuro. Os Espíritos, que preexistem e sobrevivem a tudo, formam o mundo real (85). Esses os filhos de Deus e o objeto de toda a Sua solicitude. Os corpos são meros disfarces com que eles aparecem no mundo. Por ocasião das grandes calamidades que dizimam os homens, o espetáculo é semelhante ao de um exército cujos soldados, durante a guerra, ficassem com seus uniformes estragados, rotos, ou perdidos. O general se preocupa mais com seus soldados do que com os uniformes deles.
b) - Mas,
nem por isso as vítimas desses flagelos deixam de o ser.
Venha por um flagelo a morte, ou por uma causa comum, ninguém deixa por isso de morrer, desde que haja soado a hora da partida. A única diferença, em caso de flagelo, é que maior número parte ao mesmo tempo. Se, pelo pensamento, pudéssemos elevar-nos de maneira a dominar a Humanidade e abrangê-la em seu conjunto, esses tão terríveis flagelos não nos pareceriam mais do que passageiras tempestades no destino do mundo.
739. Têm
os flagelos destruidores utilidade, do ponto de vista físico, não obstante
Têm. Muitas vezes mudam as condições de uma região. Mas, o bem que deles resulta só as gerações vindouras o experimentam.
740. Não
serão os flagelos, igualmente, provas morais para o homem, por porem no
Os flagelos são provas que dão ao homem ocasião de exercitar a sua inteligência, de demonstrar sua paciência e resignação ante a vontade de Deus e que lhe oferecem ensejo de manifestar seus sentimentos de abnegação, de desinteresse e de amor ao próximo, se o não domina o egoísmo.
741. Dado
é ao homem conjurar os flagelos que o afligem?
Em parte, é; não, porém, como geralmente o entendem. Muitos flagelos resultam da imprevidência do homem. À medida que adquire conhecimentos e experiência, ele os vai podendo conjurar, isto é, prevenir, se lhes sabe pesquisar as causas. Contudo, entre os males que afligem a Humanidade, alguns há de caráter geral, que estão nos decretos da Providência e dos quais cada indivíduo recebe, mais ou menos, o contragolpe. A esses nada pode o homem opor, a não ser sua submissão à vontade de Deus. Esses mesmos males, entretanto, ele muitas vezes os agrava pela sua negligência.
Na primeira linha dos flagelos destruidores, naturais e independentes do homem, devem ser colocados a peste, a fome, as inundações, as intempéries fatais às produções da terra. Não tem, porém, o homem encontrado na Ciência, nas obras de arte, no aperfeiçoamento da agricultura, nos afolhamentos e nas irrigações, no estudo das condições higiênicas, meios de impedir, ou, quando menos, de atenuar muitos desastres? Certas regiões, outrora assoladas por terríveis flagelos, não estão hoje preservadas deles? Que não fará, portanto, o homem pelo seu bem-estar material, quando souber aproveitar-se de todos os recursos da sua inteligência e quando aos cuidados da sua conservação pessoal, souber aliar o sentimento de verdadeira caridade para com os seus semelhantes? (707)
742. Que é
que impele o homem à guerra?
Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento das paixões. No estado de barbaria, os povos um só direito conhecem - o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos freqüente se torna a guerra, porque ele lhe evita as causas, fazendo-a com humanidade, quando a sente necessária.
743. Da
face da Terra, algum dia, a guerra desaparecerá?
Sim, quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus. Nessa época, todos os povos serão irmãos.
744. Que
objetivou a Providência, tornando necessária a guerra?
A liberdade e o progresso.
a) - Desde
que a guerra deve ter por efeito produzir o advento da liberdade, como
Escravização temporária, para esmagar os povos, a fim de fazê-los progredir mais depressa.
745. Que se
deve pensar daquele que suscita a guerra para proveito seu?
Grande culpado é esse e muitas existências lhe serão necessárias para expiar todos os assassínios de que haja sido causa, porquanto responderá por todos os homens cuja morte tenha causado para satisfazer à sua ambição.
746. É
crime aos olhos de Deus o assassínio?
Grande
crime, pois que aquele que tira a vida ao seu semelhante corta o fio de uma
747. É
sempre do mesmo grau a culpabilidade em todos os casos de assassínio?
Já o temos dito: Deus é justo, julga mais pela intenção do que pelo fato.
748. Em
caso de legítima defesa, escusa Deus o assassínio?
Só a necessidade o pode escusar. Mas, desde que o agredido possa preservar sua vida, sem atentar contra a de seu agressor, deve fazê-lo.
749. Tem o
homem culpa dos assassínios que pratica durante a guerra?
Não, quando constrangido pela força; mas é culpado das crueldades que cometa, sendo-lhe também levado em conta o sentimento de humanidade com que proceda.
750. Qual o
mais condenável aos olhos de Deus, o parricídio ou o infanticídio?
Ambos o são igualmente, porque todo crime é um crime.
751. Como
se explica que entre alguns povos, já adiantados sob o ponto de vista
O desenvolvimento intelectual não implica a necessidade do bem. Um Espírito, superior em inteligência, pode ser mau. Isso se dá com aquele que muito tem vivido sem se melhorar: apenas sabe.
752. Poder-se-á
ligar o sentimento de crueldade ao instinto de destruição?
É o instinto de destruição no que tem de pior, porquanto, se, algumas vezes, a destruição constitui uma necessidade, com a crueldade jamais se dá o mesmo. Ela resulta sempre de uma natureza má.
753. Por
que razão a crueldade forma o caráter predominante dos povos
Nos povos primitivos, como lhes chamas, a matéria prepondera sobre o Espírito. Eles se entregam aos instintos do bruto e, como não experimentam outras necessidades além das da vida do corpo, só da conservação pessoal cogitam e é o que os torna, em geral, cruéis. Demais, os povos de imperfeito desenvolvimento se conservam sob o império de Espíritos também imperfeitos, que lhes são simpáticos, até que povos mais adiantados venham destruir ou enfraquecer essa influência.
754. A
crueldade não derivará da carência de senso moral?
Dize - da falta de desenvolvimento do senso moral; não digas da carência, porquanto o senso moral existe, como princípio, em todos os homens. É esse senso moral que dos seres cruéis fará mais tarde seres bons e humanos. Ele, pois, existe no selvagem, mas como o princípio do perfume no gérmen da flor que ainda não desabrochou.
Em estado rudimentar ou latente, todas as faculdades existem no homem. Desenvolvem-se, conforme lhes sejam mais ou menos favoráveis as circunstâncias. O desenvolvimento excessivo de uma detém ou neutraliza o das outras. A sobreexcitação dos instintos materiais abafa, por assim dizer, o senso moral, como o desenvolvimento do senso moral enfraquece pouco a pouco as faculdades puramente animais.
755. Como
pode dar-se que, no seio da mais adiantada civilização, se encontrem
Do mesmo modo que numa árvore carregada de bons frutos se encontram verdadeiros abortos. São, se quiseres, selvagens que da civilização só têm o exterior, lobos extraviados em meio de cordeiros. Espíritos de ordem inferior e muito atrasados podem encarnar entre homens adiantados, na esperança de também se adiantarem, Mas, desde que a prova é por demais pesada, predomina a natureza primitiva.
756. A
sociedade dos homens de bem se verá algum dia expurgada dos seres
A Humanidade progride. Esses homens, em quem o instinto do mal domina e que se acham deslocados entre pessoas de bem, desaparecerão gradualmente, como o mau grão se separa do bom, quando este é joeirado. Mas, desaparecerão para renascer sob outros invólucros. Como então terão mais experiência, compreenderão melhor o bem e o mal. Tens disso um exemplo nas plantas e nos animais que o homem há conseguido aperfeiçoar, desenvolvendo neles qualidades novas. Pois bem, só ao cabo de muitas gerações o desenvolvimento se torna completo. É a imagem das diversas existências do homem.
757. Pode-se
considerar o duelo como um caso de legítima defesa?
Não; é um assassínio e um costume absurdo, digno dos bárbaros. Com uma civilização mais adiantada e mais moral, o homem compreenderá que o duelo é tão ridículo quanto os combates que outrora se consideravam como o juízo de Deus.
758. Poder-se-á
considerar o duelo como um assassínio por parte daquele que,
É um suicídio.
a) - E
quando as probabilidades são as mesmas para ambos os duelistas, haverá
Um e outro.
Em todos os casos, mesmo quando as probabilidades são idênticas para ambos os combatentes, o duelista incorre em culpa, primeiro, porque atenta friamente e de propósito deliberado contra a vida de seu semelhante; depois, porque expõe inutilmente a sua própria vida, sem proveito para ninguém.
759. Que
valor tem o que se chama ponto de honra, em matéria de duelo?
Orgulho e vaidade: dupla chaga da Humanidade.
a) - Mas,
não há casos em que a honra se acha verdadeiramente empenhada e em
Isso depende dos usos e costumes. Cada país e cada século tem a esse respeito um modo de ver diferente. Quando os homens forem melhores e estiverem mais adiantados em moral, compreenderão que o verdadeiro ponto de honra está acima das paixões terrenas e que não é matando, nem se deixando matar, que repararão agravos.
Há mais grandeza e verdadeira honra em confessar-se culpado o homem, se cometeu falta, ou em perdoar, se de seu lado esteja a razão, e, qualquer que seja o caso, em desprezar os insultos, que o não podem atingir.
760. Desaparecerá
algum dia, da legislação humana, a pena de morte?
Incontestavelmente desaparecerá e a sua supressão assinalará um progresso da Humanidade. Quando os homens estiverem mais esclarecidos, a pena de morte será completamente abolida na Terra. Não mais precisarão os homens de ser julgados pelos homens. Refiro-me a uma época ainda muito distante de vós.
Sem dúvida, o progresso social ainda muito deixa a desejar. Mas, seria injusto para com a sociedade moderna quem não visse um progresso nas restrições postas à pena de morte, no seio dos povos mais adiantados, e à natureza dos crimes a que a sua aplicação se acha limitada. Se compararmos as garantias de que, entre esses mesmos povos, a justiça procura cercar o acusado, a humanidade de que usa para com ele, mesmo quando o reconhece culpado, com o que se praticava em tempos que ainda não vão muito longe, não poderemos negar o avanço do gênero humano na senda do progresso.
761. A lei
de conservação dá ao homem o direito de preservar sua vida. Não usará
Há outros meios de ele se preservar do perigo, que não matando. Demais, é preciso abrir e não fechar ao criminoso a porta do arrependimento.
762. A pena
de morte, que pode vir a ser banida das sociedades civilizadas, não
Necessidade não é o termo. O homem julga necessária uma coisa, sempre que não descobre outra melhor. À proporção que se instrui, vai compreendendo melhormente o que é justo e o que é injusto e repudia os excessos cometidos, nos tempos de ignorância, em nome da justiça.
763. Será
um indício de progresso da civilização a restrição dos casos em que se
Podes duvidar disso? Não se revolta o teu Espírito, quando lês a narrativa das carnificinas humanas que outrora se faziam em nome da justiça e, não raro, em honra da Divindade; das torturas que se infligiam ao condenado e até ao simples acusado, para lhe arrancar, pela agudeza do sofrimento, a confissão de um crime que muitas vezes não cometera? Pois bem! Se houvesses vivido nessas épocas, terias achado tudo isso natural e talvez mesmo, se foras juiz, fizesses outro tanto. Assim é que o que pareceu justo, numa época, parece bárbaro em outra. Só as leis divinas são eternas; as humanas mudam com o progresso e continuarão a mudar, até que tenham sido postas de acordo com aquelas.
764. Disse
Jesus: Quem matou com a espada, pela espada perecerá. Estas palavras
Tomai
cuidado! Muito vos tendes enganado a respeito dessas palavras, como
765. Que se
deve pensar da pena de morte imposta em nome de Deus?
É tomar o homem o lugar de Deus na distribuição da justiça. Os que assim procedem mostram quão longe estão de compreender Deus e que muito ainda têm que expiar. A pena de morte é um crime, quando aplicada em nome de Deus, e os que a impõem se sobrecarregam de outros tantos assassínios.