A caridade material e a caridade  moral

Revista Espírita, outubro de 1860

(Médium, senhora de B...)

       "Amemo-nos uns aos outros e façamos a outrem o que gostaríamos que nos fizessem." Toda a religião, toda amoral se encontram encerradas nestes dois preceitos; se fossem seguidos neste mundo, seríamos todos perfeitos: não mais de ódio, não mais ressentimentos; eu diria mais ainda: não mais de pobreza, porque do supérfluo da mesa de cada rico, muitos pobres se alimentariam, e não veríeis mais, nos sombrios bairros que habitei durante a minha última encarnação, pobres mulheres arrastando atrás delas miseráveis crianças com falta de tudo.

       Ricos! Pensai um pouco nisso; ajudai com o vosso melhor os infelizes; dai, porque Deus vos torna um dia o bem que fizeres, porque encontrareis um dia, ao sair de vosso envoltório terrestre, um cortejo de Espíritos reconhecidos que vos receberão no limiar de um mundo mais feliz.

       Se pudésseis saber a alegria que senti reencontrando lá no alto aqueles que favoreci na minha última vida! Dai, e amai o vosso próximo; amai como a vós mesmos, porque o sabeis, também vós, agora que Deus permitiu que comeceis a se instruir na ciência espírita, esse infeliz que repelis é talvez um irmão, um pai, um filho, um amigo que lançai longe de vós, e então qual será o vosso desespero, um dia, reconhecendo-o neste mundo espírita!

       Desejo que compreendais bem o que pode ser a caridade moral, aquela que cada um pode praticar, aquela que não custa nada de material, e, entretanto, aquela que é a mais difícil de se pôr em prática!

       A caridade moral consiste em se suportar uns aos outros, e é o que menos fazeis, neste mundo em que estais encarnados no momento. Sede, pois, caridosos, porque avançareis mais no bom caminho; sede humanos e suportai-vos uns aos outros. Há um grande mérito em saber se calar para deixar falar um mais tolo do que agente e aí está um gênero de caridade. Saber ser surdo quando uma palavra zombeteira escapa de uma boca habituada a escarnecer; não ver o sorriso desdenhoso que acolhe a vossa entrada na casa de pessoas que, frequentemente erradas, se creem acima de vós, ao passo que, na vida espírita, a única real, eles estão disso algumas vezes bem longe; eis um mérito, não de humildade, mas de caridade, porque não notar os erros de outrem, eis a caridade moral. Passando junto de um pobre enfermo, o olhar com compaixão, tem sempre maior mérito do que o de lançar, com desprezo, o seu óbolo.

       Entretanto, não é necessário tomar essa figura ao pé da letra, porque essa caridade não deve impedir a outra; mas pensai, sobretudo, em não desprezar o vosso semelhante; lembrai-vos do que já vos disse: É necessário se lembrar que, sem cessar, no pobre rejeitado, talvez rejeitais um Espírito que vos foi querido, e que se encontra, momentaneamente, numa posição inferior à vossa. Revi um desses pobres de vossa Terra que pude, por felicidade, favorecer algumas vezes, a quem me ocorre agora implorar por minha vez.

       Sede, pois, caridosos; não sejais desdenhosos, sabei deixar passar uma palavra que vos fere, e não creiais que ser caridoso seja somente dar o material, mas também praticar a caridade moral. Eu vos repito, façais uma e a outra. Lembrai-vos que Jesus disse que somos irmãos, e pensai sempre nisto antes de repelir o leproso ou o mendigo. Eu retornarei ainda para vos dar comunicação mais longa, mas sou chamada. Adeus; pensai naqueles que sofrem, e orai.

Irmã Rosalie.

Allan Kardec  -  Revista Espírita de outubro de 1860

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