Atmosfera espiritual Revista Espírita, maio de 1867
O Espiritismo nos ensina que os Espíritos constituem a população
invisível do globo, que estão no espaço e entre nós, nos vendo e nos
acotovelando sem cessar, de tal sorte que, quando nos acreditamos sós,
temos constantemente testemunhas secretas de nossas ações e de nossos
pensamentos. Isto pode parecer incômodo para certas pessoas, mas uma vez
que assim é, não se pode impedir que o seja; cabe a cada um fazer como o
sábio que não tinha medo de que sua casa fosse de vidro. Sem dúvida
nenhuma, é a esta causa que é preciso atribuir a revelação de tantas
torpezas e más ações que se cria enterradas na sombra.
Além disso sabemos que, além dos assistentes corpóreos, há sempre
ouvintes invisíveis; que sendo a permeabilidade uma das propriedades do
organismo dos Espíritos, estes podem se encontrar em número ilimitado
num espaço dado. Frequentemente, nos foi dito que, em certas sessões,
estavam em quantidades inumeráveis. Na explicação dada ao Sr. Bertrand a
propósito das comunicações coletivas que obteve, foi dito que o número
dos Espíritos presentes era tão grande, que a atmosfera estava, por
assim dizer, saturada de seus fluidos. Isto não é novo para os
Espíritas, mas não se deduziu disto talvez todas as consequências.
Sabe-se que os fluidos emanados dos Espíritos são mais ou menos
salutares segundo o grau de sua depuração; conhece-se o seu poder
curativo em certos casos, e também seus efeitos mórbidos de indivíduo a
indivíduo. Ora, uma vez que o ar pode estar saturado desses fluidos, não
é evidente que, segundo a natureza dos Espíritos que proliferam em um
lugar determinado, o ar ambiente se acha carregado de elementos
salutares ou malsãos, que devem exercer uma influência sobre a saúde
física tão bem quando sobre a saúde moral? Quando se pensa na energia da
ação que um Espírito pode exercer sobre um homem, pode-se admirar
daquela que deve resultar de uma aglomeração de centenas ou de milhares
de Espíritos? Esta ação será boa ou má conforme os Espíritos derramem no
meio dado um fluido benfazejo ou malfazejo, agindo à maneira das
emanações fortificantes ou dos miasmas deletérios, que se esparramam no
ar. Assim podem se explicar certos efeitos coletivos produzidos sobre as
massas de indivíduos, o sentimento de bem-estar ou de mal-estar que se
sente em certos meios, e que não têm nenhuma causa aparente conhecida, o
arrastamento coletivo para o bem ou o mal, os impulsos gerais, o
entusiasmo ou o desencorajamento, por vezes espécie de vertigem que se
apodera de toda uma assembleia, de todo um povo mesmo. Cada indivíduo,
em razão do grau de sua sensibilidade, sofre a influência dessa
atmosfera viciada ou vivificante. Por este fato, que parece fora de
dúvida, e que confirmam, ao mesmo tempo, a teoria e a experiência,
encontramos nas relações do mundo espiritual com o mundo corpóreo, um
novo princípio de higiene que a ciência, sem dúvida um dia fará entrar
em linha de conta. Podemos, pois, subtrair-nos a essas influências
emanando de uma fonte inacessível aos meios materiais? Sem nenhuma
dúvida; porque do mesmo modo que saneamos os lugares insalubres
destruindo-lhes a fonte dos miasmas pestilentos, podemos sanear a
atmosfera moral que nos cerca, subtraindo-nos às influências perniciosas
dos fluidos espirituais malsãos, e isto mais facilmente do que não
podemos escapar às exalações pantanosas, porque isto depende unicamente
de nossa vontade, e ali não estará um dos menores benefícios do
Espiritismo quando for universalmente compreendido e sobretudo
praticado.
Um princípio perfeitamente averiguado por todo Espírita, é que as
qualidades do fluido perispiritual estão em razão direta das qualidades
do Espírito encarnado ou desencarnado; quanto mais seus sentimentos são
elevados e livres das influências da matéria, mais seu fluido é
depurado. Segundo os pensamentos que dominam num encarnado, ele irradia
raios impregnados desses mesmos pensamentos que os viciam ou os saneiam,
fluidos realmente materiais, embora impalpáveis, invisíveis para os
olhos do corpo, mas perceptíveis para os sentidos perispirituais, e
visíveis para os olhos da alma, uma vez que impressionam fisicamente e
tomam aparências muito diferentes para aqueles que estão dotados da
visão espiritual.
Unicamente pelo fato da presença dos encarnados numa assembleia,
os fluidos ambientes serão, pois, salubres ou insalubres, segundo os
pensamentos dominantes sejam bons ou maus. Quem traz consigo pensamentos
de ódio, de inveja, de ciúme, de orgulho, de egoísmo, de animosidade, de
cupidez, de falsidade, de hipocrisia, de maledicência, de malevolência,
em uma palavra, pensamentos hauridos na fonte das más paixões, espalha
ao seu redor eflúvios fluídicos malsãos, que reagem sobre aqueles que o
cercam. Numa assembleia, ao contrário, onde todos não trouxessem senão
sentimentos de bondade, de caridade, de humildade, de devotamento
desinteressado, de benevolência e de amor ao próximo, o ar estará
impregnado de emanações saudáveis no meio das quais sente-se viver mais
comodamente.
Se se considera agora que os pensamentos atraem os pensamentos da
mesma natureza, que os fluidos atraem os fluidos similares,
compreende-se que cada indivíduo conduz consigo um cortejo de Espíritos
simpáticos, bons ou maus, e que assim o ar está saturado de fluidos em
relação com os pensamentos predominantes. Se os maus pensamentos estão
em minoria, eles não impedirão as boas influências de se produzirem, mas
as paralisam. Se eles dominam, enfraquecem a irradiação fluídica dos
bons Espíritos, ou mesmo por vezes, impedem os bons fluídos de penetrar
nesse meio, como o nevoeiro enfraquece ou detém os raios do sol.
Qual é, pois, o meio de se subtrair à influência dos maus
fluidos? Este meio ressalta da própria causa que produz o mal. Que se
faz quando se reconheceu que um alimento é contrário à saúde? É
rejeitado, e se os substitui por um alimento mais sadio. Uma vez que são
os maus pensamentos que engendram os maus fluidos e os atraem, é preciso
se esforçar de deles não ter senão bons, repelindo tudo o que é mau,
como se repele um alimento que pode nos tornar doentes, em uma palavra,
trabalhar pela sua melhoria moral, e, para nos servir de uma comparação
do Evangelho, "não só limpar o vaso por fora, mas limpá-lo, sobretudo,
por dentro."
A Humanidade, em se melhorando, verá se depurar a atmosfera
fluídica no meio da qual ela vive, porque não a rodeará senão de bons
fluidos, e que estes últimos oporão uma barreira à invasão dos maus. Se
um dia a Terra chegar a não ser povoada senão por homens praticando
entre eles as leis divinas, de amor e de caridade, ninguém duvida que
não se encontrem nas condições de higiene física e moral diferentes
daquelas que existem hoje.
Esse tempo está ainda longe, sem dúvida, mas em esperando-o,
estas condições podem existir parcialmente, e é nas assembleias
espíritas que cabe dar-lhe o exemplo. Aqueles que tiverem possuído a
luz, serão um tanto mais repreensíveis quanto terão tido entre as mãos
os meios de se esclarecer; incorrerão na responsabilidade dos atrasos
que seu exemplo e sua má vontade terão levado na melhoria geral.
Isto é uma utopia, uma má declamação? Não; é uma dedução lógica
dos próprios fatos que o Espiritismo nos revela a cada dia. Com efeito,
o Espiritismo nos prova que o elemento espiritual, que, até o presente,
foi considerado como antítese do elemento material, tem, com este
último, uma conexão íntima, de onde resulta uma multidão de fenômenos
inobservados ou incompreendidos. Quando a ciência tiver assimilado os
elementos fornecidos pelo Espiritismo, ela nele haurirá novos e
importantes recursos para apropria melhoria material da Humanidade.
Assim, cada dia vemos se estender o círculo das aplicações da doutrina
que está longe, como alguns o crêem ainda, de estar restrita ao pueril
fenômeno das mesas girantes ou outros efeitos de pura curiosidade. O
Espiritismo, realmente, não foi tomado em seu vôo, senão do momento em
que entrou na via filosófica; é menos divertido para certas pessoas, que
nele não procuravam senão uma distração, mas é melhor apreciado pelas
pessoas sérias, e o será ainda mais, à medida que for melhor
compreendido em suas consequências. |
Allan Kardec - Revista Espírita de maio de 1867
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